Fernando Andrade entrevista o poeta Paulo Ludmer

Paulo Ludmer 3 - Fernando Andrade entrevista o poeta Paulo Ludmer
 
 
 
 

F.A. As palavras nos seus poemas parecem soltas, gratuitas, mas lendo bem, há uma condensação única em termos de signos, e sentidos. Obra do acaso, ou de uma consciência integralista. Comente.

P.L. Primeiro, alucinado (ou não), acho que tenho o que dizer. Aprendi com o saudoso professor de literatura da USP, Carlos Felipe Moisés, desde Mallarmé, que escrever é arrumar palavras. Depois com Noemi Jaffe, que as palavras literárias tem que ser necessárias e verdadeiras — claro que verdade tem historicidade. Elas devem vencer o dique do silêncio. Na minha cocção poética, então, combino acaso (de onde as palavras vem) e consciência.

F.A.) Há uma ideia no poema a ser respeitada. Pelas palavras colocadas parece em certa ordem, a sugestão do conceito do poema parece um pouco surrealista. Fale sobre isso.
P.L. Sou atropelado pelo começo do poema, que não sei de onde vem, sendo que observar contribui. Não sei onde, nem como, ele vai trafegar. Não sei onde termina. Em geral no começo. Mas sei que ele é tanto melhor se apresentar polissemia, vários sentidos. Tem de oferecer pelo menos um sentido.

F.A. O lúdico parte de uma partitura sem regras, onde cada verso brinca com outro, fingindo pertencer a alguma sólida organização – é se juntar, descontraindo… Comente.
P.L. A primeira regra em escrita criativa é que não tem regra. Tem truques. Tem moda. Tem contemporaneidade. Tem sinceridade, tem impostura como dizia Dalton Trevisan. Tem virtudes e diabruras. A língua é prenhe. Palavras de Machado de Assis hoje não são usadas no dia a dia. E quando são, estão noutro contexto, noutro significado, noutro tablado. A brincadeira não deve ofuscar a seriedade. O bom leitor – sonhado por qualquer escritor – muitas vezes lê como se estivesse escrevendo. Quando parecemos simples de sermos copiados conseguimos enganá-lo e vencemos. Uma vez mais, Machado de Assis envolve todas as idades, é um mago da simplicidade (que para ser alcançada exige um domínio inacreditável do bastão).. Clarice Lispector envolve todas as mulheres sensíveis e inteligentes, é uma ma ga. O desafio da literatura é que envolve mas não compromete.

F.A.) Me veio a ideia lendo seu livro de um dicionário poético, onde cada palavra perde seu significado, literal, para algo mais musical, onde cada som, ritmo, cadência, leva à parte estética, no todo. Fale disso.

P.L. Amo visceralmente a língua portuguesa brasileira. Provavelmente aquela que amo não seja mais. Tenho oitenta anos, hoje usam outro colóquio. Então não abdico do estado de dicionário (sugerido por Drumond em busca da poesia). Quase que obrigo o leitor a consultar o dicionário (ou o Google se preferir). Faço de propósito. Os jovens não leem livros (diz a imprensa), não usam proparoxítonas, e taxam de empolado a quem fala corretamente. Sou uma espécie de resistência de um português mais infinito, mais pluridimensional. Tenho oitenta por cento de um século para advogar que as crianças devem voltar a escrever com caligrafia legível. Países que abandonaram a escrita à mão (Finlândia, por exemplo), voltaram atrás, abandonando a exclusividade da digitação. Esta leitura que você fa z dos meus versos me encanta, cada Fernando haverá de ter a sua.

Paulo Ludmer (15 de dezembro de 2024)

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