Fernando Andrade – A voz seria uma pequena “entidade” humana que nos separa por exemplo de uma pedra. A linguagem nos chega à religião. Você acha? sua ficção me inquietou bastante. Conversão, parte da premissa de ou deslocamento , ou mudança de estado. Como pensou este conceito da pedra dentro da sua obra?
Cleber Pacheco – A primeira frase do livro faz referência a uma passagem do Novo Testamento: quem pedir pão, não receberá, em seu lugar, uma pedra.
Isso tudo tem a ver com as expectativas do personagem Walter, que vai vivendo várias situações ao longo que, enquanto enfrenta suas experiências, vai fazendo suas próprias descobertas. A pedra, também, é uma alegoria-chave do trabalho alquímico:a pedra filosofal, a culminância da Grande Obra. A pedra, no mundo antigo, era usada para fixar as almas dos mortos a fim de evitar que elas ficassem vagando, perdidas pelo mundo. É bom lembrar ainda que na mitologia grega Orfeu, por meio de suas composições, consegue mover e encantar até as pedras.Entre a manhã, a tarde e a noite, Walter vai passando por diversas mudanças.
Fernando Andrade – O fantástico parece rondar sua narrativa, beirando algo mais metafísico, onde a morte paira sobre o narrador e sua personagem. Comente.
Cleber Pacheco – Sim, minha escrita oscila entre o fantástico e o metafísico, neste caso representado pelas crenças infantis de Walter e sua prima Virgínia que ainda creem num mundo mágico, de possibilidades infinitas.
Além disso, a ação se passa num dia sagrado e tradicional, reforçando a ideia de algo relacionado com a espiritualidade, de uma experiência dirigida ao âmbito do sagrado, vivência paradoxal que transita entre o fascínio e o medo, entre o espanto e uma forte atração. É o que religiosamente se chama de fascinans e tremendum. As ações inicias envolvem também as crenças e costumes dos adultos, que também guardam certos vestígios desse mundo mágico anterior ao racional.
Fernando Andrade – Elementos como água e vidro se enrodilhavam nas suas cenas. Me fala desta relação um pouco metamórfica no seu livro. Comente.
Cleber Pacheco – A água líquida e a água congelada são duas formas de um mesmo elemento. Riacho congelado e neve, uma vez que a história ocorre em pleno inverno aqui no Sul, onde pode realmente ocorrer a precipitação da neve, são variações da água que pode assumir diversos estados e diversas formas, elemento que também se converte conforme as situações e ambientes. Essa variabilidade também está presente nas diversas emoções de Walter que ocorrem subitamente, deixando-o um tanto desorientado e buscando um lugar firme onde pisar ( a pedra) para situar-se no mundo.
Fernando Andrade – Parir dentro do abjeto, da lama, dos excrementos, daquilo que nós puxamos para fora. No final do livro essas noções aparecem com frequência, por quê?
Cleber Pacheco – Há um nítido contraste entre a inocência de Virgínia, a inocência da infância e o mundo adulto. Tem relação ainda com a pureza do recém-nascido que , a partir de então, entra num mundo corrompido, que destruirá essa inocência com o passar do tempo. Além disso, fisicamente, o parto envolve sangue, vísceras, fluidos corporais, dor. A realidade das condições do mundo material nos assusta A dor de Virgínia ao descobrir a verdade é a dor do parto, a dor da perda das ilusões quando então se vislumbra o mundo adulto e se vê que ele está longe de ser perfeito. É a dor de existir.
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