Viviane Ferreira Santiago | Jornalista, professora e escritora
A nova obra de Fernando Andrade (Litteralux-2025) é escrita de maneira fragmentada e com uma forte presença de metáforas, o livro mistura poesia e ensaio, brincando com a linguagem e os próprios limites da comunicação humana. No centro dessa construção, surge um jogo de palavras e imagens que nos fazem pensar sobre o silêncio, a linguagem, a política, a existência e, claro, o caos da vida cotidiana.
A obra não segue uma narrativa tradicional. Ao invés disso, o autor nos apresenta uma série de contos interligados que se entrelaçam, mas nunca se fecham. Cada fragmento parece escapar de qualquer tentativa de entendimento linear, criando um espaço literário em que o sentido é fluido e, muitas vezes, inesperado. Os personagens, que incluem desde um escrevinhador de cartas até amantes soviéticos com nomes exóticos como Criméia e Vladivostok, vivem em um mundo onde o surreal e o real se confundem, e o absurdo é encarado com uma naturalidade espantosa.
As metáforas presentes na obra são vertentes poderosas do que se é possível fazer quando se tem muita criatividade e domínio técnico da escrita.
Um exemplo delas é a comparação da criação literária com um jogo de futebol, em que a pontuação — vírgulas, pontos e outros sinais — se tornam os jogadores que tentam vencer a “defesa” da gramática. Isso revela a complexidade do ato de escrever, como se cada palavra e pontuação tivesse sua própria vida, sendo parte de uma partida imprevisível.
Fernando Andrade também mergulha na importância da própria estrutura da linguagem, usando o espaço entre as palavras, a pontuação e até o ritmo das frases como elementos essenciais para construir o significado.
Cada ponto e vírgula têm um peso existencial, como se a obra fosse uma tentativa de encontrar sentido no caos da vida.
E, como se não bastasse, o autor utiliza um humor irônico e uma crítica social afiada. O jogo entre o “preso” e o “solto”, a crítica ao sistema político e à religião, são expostas através de um olhar que brinca com os conceitos de verdade e poder. A obra, com seu tom irreverente, também nos provoca a refletir sobre a fragilidade das nossas convicções em um mundo onde tudo está em constante transformação.
Como já é referência na literatura de Andrade, mais uma vez, ele traz em seu novo livro uma leitura desafiadora. Mas é também uma grande celebração da literatura e de sua capacidade de subverter e reconstruir o mundo a partir de novas perspectivas. O livro convida o leitor a navegar por um labirinto de significados, a se perder e se encontrar nas palavras, e a experimentar uma obra que, mais do que contar uma história, provoca uma reflexão profunda sobre o nosso tempo e a nossa maneira de ver o mundo.
Uma leitura que vai muito além do entretenimento — é uma verdadeira viagem no pensamento humano.
Be the first to comment