Fernando Andrade: Sua poética parece um ato inconformista contra qualquer tipo de verdade absoluta. Você usa a linguagem inflamada quase como um ato sublime de combustão ( Inflamar – pegar fogo, incendiar, claro que no toque figurado. Comente.
Bruno Brandão: Encaro a poesia como a reafirmação de um íntimo acordo em sobrepujar a realidade.
As nuances – rotineiramente despercebidas – devem ser esmiuçadas com coragem e crueza, no propósito de transfigurar o “aparente” e criar algo genuinamente verdadeiro; mesmo que insurgente, incendiário.
É inevitável o “desconforto” nesta contraposição. A arte aqui não é feita para acalentar.
Que ela queime os dedos e olhos de quem a lê.
Fernando Andrade: Imagens como serpentes cujo veneno pode ser como antídotos. – anti-dores. Ato de curar não é um toque maniqueísta, é dialético como a história. Como você pensa sua escrita com estes antídotos. Fale disso.
Bruno Brandão: O poema é um paciente que foi desenganado.
Nas mãos do escritor ele luta agonicamente para manter-se vivo. A cada intervenção ambos se modificam: o poema constrói-se sob intercorrências, sobre cicatrizes; o escritor defronta-se forçadamente com sua falibilidade, com a urgência de se reinventar.
É dessa luta contra o desengano que provém o antídoto: a poesia (mais por desespero que por esperança).
Fernando Andrade: Como o autor repercute a geografia e o lugar de onde nasceu e morou, na sua poesia.
Bruno Brandão: Moro há quatorze anos em São Paulo sem nunca ter saído de Alagoas.
Por ser um estado territorialmente pequeno, estende-se do litoral ao sertão num trajeto tão curto quanto diverso. Em minha infância – devido às origens familiares – pude transitar correntemente entre esses meios tão contrastantes: dos corais à aridez, da fartura à severidade.
O exame desta dicotomia e, sobretudo, do confronto entre vidas tão proximamente distantes me acompanham até hoje.
Fernando Andrade: Há poemas que a escrita tange uma linguagem médica, como você transportou este estilo para seu veio poético. Comente.
Bruno Brandão: Inicialmente, no trabalho (em algumas evoluções e anotações), adotava termos que fugiam ao vocabulário médico corriqueiro. Certos colegas percebiam e achavam curioso, inusitado…
Em um segundo momento passei a inverter o ofício: incorporei termos médicos à minha literatura. Percebi que o ato era igualmente incomum; gostei do efeito e resolvi fazer uso esporadicamente.
Em ambas as situações é gerado um exercício mental saudável, que pode culminar em poesia (mais frequentemente fora do hospital).
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