Por Fernando Andrade
A loucura não é destituição da razão, pois para ter razão num mundo glorificado ao peso masculino, a simples ideia de uma gestação sozinha torna-se um nomeação digna de punição.
A loucura é a lucidez em retinir, prosseguir com a vontade individual do corpo. A religião como expurgo da consciência, como controle de uma família católica que sai da Irlanda e vem para o Brasil em 1827 num navio adornado de doenças.
Narrado por uma das filhas de um homem que perde a perna e torna-se a cruz e a espada de uma família cuja maioria das filhas já foi renegada pelo pai, pois quem? iria trabalhar naquele clã. A mãe morre na viagem, e a chegada ao Rio, as filhas estão sós com o pai, pois os dois filhos acabam de ser recrutados para uma guerra num país vizinho. Se o ato de narrar poderia trazer uma valentia, ela se poda apenas à possessão da irmã destituída de sanidade para ajambrar alguma ordem na mesa daquela situação onde o exílio não é apenas geográfico mas sim de gênero número e grau.
Após ficar numa localidade do Catete cuidando das irmãs, ele já com a barriga proeminente é levada para um lugar chamado Casa de Deus, onde freiras recebem mulheres que vão dar à luz em breve momento. Numa espécie de clausura, prisional, as mulheres ali são vigiadas e mantidas em estado suspenso. Nara Vidal, neste seu belo livro Sorte, editora Moinhos, tem todo olhar para uma ferida narcísica, onde o homem desvincula-se dos laços parentais abandonado a mulher à própria sorte. Aqui a loucura não se torna sinal positivo de lucidez, Ela não liberta, pois na casa, a noção de dar a luz ao seu filho vem acompanhada de roubo, cada sentido da palavra carrega o peso da segregação pelo simples fato de ser mãe solteira. Entram lá mães que vão ter suas crias, retiradas e dadas à pessoas nucleadas por laços parentais.
Do que? as freiras são movidas, em seguir tal cartilha, como se uma mulher sem um homem para nuclear uma família fosse um terrível degredo. Ganham algo? alguma compensação financeira? uma ordem cruel! onde certas mães chegam à enlouquecer pela perda dos filhos. O desejo de uma mulher é desintegrado identitariamente, seu corpo, suas regras, não lhe dizem respeito.
cotação: ÓTIMO
Fernando Andrade, escritor, poeta e crítico literário. Autor de 4 livros, o mais recente Perpetuação de espécie (Penalux, 2018).
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