Autorretrato II
— Rastros de silêncio além da porta –
Despertas a memória:
Pântano da tua existência.
Eu vejo em teus olhos,
Em tuas mãos trêmulas,
Em tua pele pálida e opaca,
Eu vejo a hera que se espalha em teu corpo.
Teu corpo é quase alma:
Matéria apodrecida em plena juventude
Jardim adormecido
As pétalas murcham em tuas mãos decrépitas
As tuas mãos são ossos
As tuas mãos são pó.
E eu me perco
Eu naufrago em teus olhos mudos
Tu és silêncio
Só silêncio
Tu és sono
Tu és só.
Eu me perco em tua memória
— rio de água turva –
Eu me perco
Tu me devoras.
Tudo em ti é exílio
Teu corpo exala o vazio.
Tuas mãos,
Teus olhos,
Teu rosto lasso,
Perco-me no espelho
Perco-me em fragmentos
Perco-me.
CORROSÃO
Para além das fronteiras
Além da respiração
Além da carne
Turbulências em minha mente
Rajadas de vozes desconhecidas
Desejos indesejáveis
Olhos que me observam de dentro
Turbulências em minhas veias
Vórtice vermelho em meu peito
Eu desabo
Ruínas do meu corpo
Ruínas da minha memória
Meus dedos sangram
Arranquei as unhas com os dentes
Arranhei minha pele
Sangue macerado sob a pele
Eu desabo
Ruínas em meu corpo
Hálito de casa abandonada
Paredes condenadas pelo tempo
Eu desabo
III
Água latejando no silêncio.
Passos que se arrastam invisíveis.
Rostos que se escondem nas paredes.
Aranhas mortas, aprisionadas na própria teia.
Eu me acumulo.
Como uma casa antiga, a poeira me consome.
Crostas de penumbra devoram minha pele.
O tempo se acumula em reminiscências.
[Minhas mãos perdem a consistência.
Tuas mãos levam o cigarro à boca.
O que eu fui se dissipa na fumaça,
O que tu foste se dissipa no que me torno.]
Samantha de Sousa é professora de Literatura em Igarapé-açu. Atua como editora-chefe da revista Marinatambalo e tem dois livros publicados: Peregrinações (Literacidade) e Desvendando Elisa (Amazon).
Belos poemas parabéns