por Fernando Andrade
Play tocar e jogar. Três palavras que modulam, certo, armazenar. Poderia dizer a quantidade de energia gasta num exercício, ou jogo. Aqui cabe o pensar num exercício lúdico sobre fundações. Tocar não só com dedos, mas o ato sublimático da escrita. Tocar-teclar com alguém, que não apenas seu pensamento obsessivo ou paranóico, conectar a relação entre individualidades – texto e memória. Play, gravar a voz ou a escrita que se quer testemunhal. Grafitar ou misturar o gravar e desenhar; um esporro poético; uma potência de trovações-provações, e por conseguinte dinamitar uma provável possível classificação da gravação depois de publicada.
No livro Nequicelapso na função supressora da escritora e poeta Camila Passatuto, editora Penalux, play sai dos designos e signos da dialogia social para tirar do quadro do jogo, das regras que nuclearizam corpos em prol do resultado pra algo, para algo muito mais íntimo, que seria jogar um pequeno ensaio consigo próprio. Jogar com suas próprias, não quero falar regras, mas suas convenções, do que torna-se único e singular esta escrita de Camila.
Pois seu texto permeabilizado de extrema poética cambaleante em sua dicção fraturada, onde não vemos tipos de fios-condutivos de um empuxo de uma razão narrativa que vá para algum certo desfecho. Se na caixa da gravação temos um fluxo de depoimento, uma corrente que à priori seria lógica para o ouvinte que fosse apertar o play e ouvir. Camila desmagnetiza a coerência de um fluxo, ela rebobina sua flama linguagem-delirante em torrentes de imagens que por não terem certa pausa e nem pontuação, ordem de raciocínio operam sob o fluxo de um torvelinho tornado.
Claro que este fluxo sabemos vir da Camila. Ela não larga da experiência da voz na primeira pessoa (singular) mas é um pouco assombrada a voz por coisas intrusas, por desvãos do surreal, por devaneios estonteantes, portanto o fluxo da poeta pode não ter dono, pode ser do mundo dos visionários Artaud, pode caber numa tela com olhar de Van Gogh, Pode até sair de um sanatório como Robert Walser e caminhar na ausência da negra escrita derreada: neve, fluxo até da ausências de pegadas, como foi? achar Walser morto, congelado, sob a neve.
conceito: muito bom
Fernando Andrade – escritor, poeta, parecerista, jornalista e crítico de literatura. Autor de 4 livros, o mais recente “Perpetuação da espécie” [Penalux, 2018].
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