calibre
Para Eucanaã Ferraz
Das lições de como
acertar o alvo sem
perder das vistas
o objeto: cabeças,
dores, artistas. É
o que nos ensina
o revólver, o olho
quente como dois
cigarros caros na
boca do morto.
Buracos abertos
no corpo. Rolam
ladeira abaixo
como roleta russa.
Triste luz no olho
de uma arma cega.
a fazenda
Eu lhe daria um útero
se os tivesse planos.
E também húmus
mas não há onde plantar.
Lhe daria os seios
pelo prazer do desmame.
E sacrificaria o bezerro
não fosse o de ouro.
Daria todos os acres
da fazenda química
E também a plantação
irrigada de mortos.
E todos os saques
à mão do caixa eletrônico.
Lhe daria as portas fechadas
pela aventura da fresta.
E mortes e cortes
na matéria prima.
Ainda que se perca
a renda do ano.
Ainda que o tricô
não se faça sozinho.
E tudo isso não seria
metade do que lhe daria.
A árvore da morte começa
a abrir os olhos
Irei colher sem pressa
O que cair do globo à terra.
Ainda que com vermes brancos
Lhe daria a cabeça das horas
Ao menos os bichos fariam
o trabalho de dentro para fora,
ela me disse na fazenda.
oceanos
Somos todos gotas
fora dos oceanos
mas somos.
Não seria de todo
mal talvez um pingo
de chuva
um resto de mijo
líquido lodo.
O ciclo da água
contido
todo em nós.
Âmnio
e secreção
da infecção
generalizada.
É uma surpresa
ver de perto
nossas fases
como águas.
Ninguém quer
voltar ao mar.
E gotas fora
dos oceanos
são as primeiras
a evaporar
o sol na cabeça.
Até que como
cataratas
caem os corpos
depois da cegueira
outra vez a força
respinga partindo
a gota fora d’ água
em milhões
no rosto dos turistas
que observam
os oceanos.
Milhões de partículas
que respingam
sangue trotando
na terra que não
vinga.
Felipe Ribeiro é um escritor carioca de 25 anos, graduando em Letras/Literaturas na UFRJ. Possui artigos, traduções e poemas autorais publicados em diversas revistas e antologias. Produziu dois livros de poemas: Amargo Embargo, de 2013 e o mais recente, Tijolos de Silêncio, pela Editora Cândido, em 2017, sobre a contemporaneidade e a realidade do trabalhador, criando um valioso documento histórico do período pré e pós-golpe. Esse último recebeu grande apoio crítico e de público, esgotado, e saindo na indicação de livros de poemas de 2018 da Revista Quatro Cinco Um. Também concorreu ao Prêmio Oceanos de Literatura.
Tu és bom, cara. Diferente da autora anterior que li. Tanta titulação de nada vale sem talento real. Para poesia não adianta ter muita técnica.
Parabéns!!!