por Fernando Andrade
poeta e crítico literário
Em réquiem, uma alucinação, o escritor Antonio Tabucchi revolve as lentes da memória, não só do homem escritor, mas do filho, que vê o pai perder, por doença, a fala e a linguagem. Na narrativa está em Lisboa, passando o dia olhando paisagens lugares da memória. Logo mais, 24 horas da noite quando muda o dia, está no cais da cidade, esperando Pessoa para certo enclave ou acerto de contas? Do levantar o chão o simples facto literário, memória-afeto-escrita vão se embaralhar neste passeio. Esta ilusão da escrita, mimetizada entre o real e a ficção, vi no livro de poemas Extemporâneo, do poeta Delalves Costa, que será lançado em breve.
A geografia imprecisa ruminando linguagem no posicionamento espacial tanto na fratura da língua, este poeta a move com uma maleabilidade desconcertante indo de aglutinações de palavras, a estudos do som, como aliterações e assonâncias. A velocidade do signo-verso parece se conectar em trilhos não tanto da fisicalidade da máquina corpo-poema, mas sim de seu constante deslocamento de sentidos fractais por uma janela-paisagem com cortes elipses. Nano-segundos de mito poesia.
Aqui vejo uma semelhança com a realidade fantasmática do poeta Pessoa, que se desdobrou em heterônimos, criando certa ilusão de personas, dissolvendo em névoa ego e farsa, experiência e mito. Neste sentido o poeta é uma exímia criança não demarcando posições de fixidez política com relação à autenticidade da experiência do narrado, vívido e vivido, seus poemas são fractais do momento airoso.
Referências e citações são enganchadas entre os trilhos-estrofes de uma locomotiva que se aponta para experimentação-fragmentária do espaço-tempo do próprio poema. Sua polifonia e polissemia radiografa uma estrutura geográfica, pulverizada por imagens que alocam lugares e afetos, mas por aptidão da escrita são devaneadas pelo espírito louco do menestrel de palavras.
cotação: muito bom
Fernando Andrade – Crítico literário, poeta e escritor, autor de 4 livros. O seu trabalho mais recente é Perpetuação da espécie [Editora Penalux, 2018].
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