O livro Liturgia do tempo, de Wanda Monteiro, desenha um afresco superior para o homem-finito, cuja possibilidade de existência física chega pelo corpo e escapa também por ele

 

por Jean Narciso Bispo Moura

Liturgia do tempo, Wanda Monteiro,editora Patuá, 2019, é um livro que me colocou sentado em silêncio ouvindo os seus ventos que ecoam neste trânsito  de consciência de ser e posteriormente não ser. O uivo do vento atemporal deixa-nos um vácuo de incompletude e de insegura resposta para as incontáveis indagações.

Existem multifacetados ventos que ecoam na filosofia, na religião e na ciência, edificamos casas sem sabermos quais dos personagens somos da famosa fábula, sempre há um uivo baloiçando as nossas portas e janelas, há um cismar reincidente dizendo que a nossa edificação foi feita em cima de areia.

Wanda importa para dentro de sua poética uma bela voz de registro desta andança tão remota,  de onde não sabemos com exatidão o local que foi dado os primeiros passos, trazendo para a sua poesia uma recepção viva e potente do percurso humano desde do seu estado de corpo-natureza  à corpo-cidade.

Certamente portamos a involuntária e indesejável presença-ausência,  carregamos a sensação inconteste de não   termos controle  da própria   duração físico-existencial, é desse fio que a autora   impulsiona  de sua tribuna uma poética reflexiva sobre a condição humana.

Há uma inquietude filosófica na poeta Wanda Monteiro, é nítido uma verve que jorra águas límpidas e cristalinas de uma fonte primeva, cônscia de que somos mais um elemento que compõe a paisagem-natureza, apesar de nosso maiúsculo e incompreensível ímpeto.

As  imagens, de Wanda, desenham um afresco superior para o homem-finito, saltando a possibilidade insatisfatória de contentarmos apenas com uma ínfima existência carnal, que passa  pelo corpo e escapa  também por ele.

Em Wanda há um ressoar filosófico que repele o silenciamento absoluto, a sua liturgia é portanto o encantamento  e o cultivo da memória recente e a dos antepassados, para ela  a vida ultrapassa o limite do corpo por intermédio da arte e da linguagem.

Decerto a liturgia da poeta é o culto da vida frente à sua sombra antagônica, um mover de vozes e águas  presentes no espírito, revivido pelo poder sacramental da palavra.

 

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