por Fernando Andrade
(Escritor e crítico de literatura)
Pegar um *inutensílio com força ou jeito. Levá-lo à boca e experimentá-lo com gosto. O homem é a medida do seu trajeto à boca? Do que fala através da linguagem, exprime-se com força gestual, demasiada força bruta. Homem silêncio é aquele que se omite? ou aquele que sabe falar por elipses, metáforas.
O homem tímido vive à sombra da mãe por não saber se maturar sozinho. Um pedaço flácido de carne entre as pernas, de quanto exalta o seu desejo? Para responder a estas perguntas o homem deveria sair das fronteiras do gênero que o processo cultural lhe apropria desde os milênios mais primevos.
Pensar sob as cordas vocais do canto de um pássaro, liberdade – ABRE AS ASAS SOBRE NÓS e não com as cordas do tatame do ego. O homem precisa (re)ver seu ego, e auto-imagem. É preciso estabelecer os jogos infantis pelo qual passa as marcações de gêneros. O homem não passou pela fase do degredo?
Ser um macho com um coroa de flores na cabeça, não se apequenar com isso.
Tais considerações poéticas para abrir este texto para falar de trocas consanguíneas. Fugir do parentesco, mas ao mesmo tempo lembrar das referências. Temos muitas delas no livro da escritora Andréa Catrópa intitulado Homens adoram mulheres perfeitas, editora Patuá. Um homem “casado” com uma mulher chamada Marina, que começamos à perceber depende do marido por não ter um uma mobilidade motora física.
Cuidar requer também uma liberdade de critérios e escolhas. Mas Eduardo parece que aposta numa submissão do outro, ao seu amor narcisista e diminuidor. Tem vergonha dos olhos alheios quem veem sua relação com Marina.
Muito interessante notar como padrão de modelo de homem trabalhador e certinho passe pelo rigor da conduta ao trabalho. Enquanto está assim ninguém desconfia. Mas Andréa vai enovelando sua trama sutilmente num jogo de aparências e erros como se o leitor no decorrer da leitura pegasse pistas do que está sob a mirada daquele homem.
A autora fez uma pesquisa muito interessante sob o perfil do homem japonês. Referências culturais perpassam o livro como mangás, cultura pop japonesa, desenhando na leitura projetiva ao desenlace, um certo olhar que desnorteará o enredo numa outra trama, sinistra. Quem é Eduardo? nissei que vive em São Paulo e trabalha num hospital como contador. Até que ponto os aspectos culturais nos dão mote aos desejos e volições por demandas que fogem do propriamente humano? Será a tecnologia japonesa um livre acesso ao ventos de uma perversidade robótica? O individualismo capital e humano se coaduna com estas máquinas de interface entre o homem e virtual?
Não sei, mas o capital humano ainda está no desejo? Do apossar-se do outro apenas canibalisticamente. Teremos então uma ética canibal? Do transpassar a pele, fluidos, espessa ma(g)ssa sanguínia pelos outros-sis. Me vem à mente o filme Deixa ela entrar, quase metafórico título para este romance de Andréa.
* Em japonês, “chindogu” significa “objeto estranho”, mas talvez a melhor palavra para traduzi-lo seja o neologismo criado por Paulo Leminski: “inutensílio”. Ao que se diz, o conceito foi criado pelo escritor e inventor Kenji Kawakami num livro publicado na década de 1990 sob o título “101 Invenções Inúteis Japonesas: A Arte do Chindogu”. Kawakami imagina (e fabrica) acessórios do cotidiano que são práticos, lógicos, e ao mesmo tempo absurdos, incapazes de ser utilizados. Como por exemplo o seu chapéu para alérgicos, que vem com um rolo da papel higiênico montado no topo. Para sujeitos com rinite, como eu, que às vezes passam o dia inteiro espirrando e assoando o nariz, pode haver algo mais providencial? E menos utilizável?
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