Sem título
Não pode refrear
A noite que cresce
Em seus olhos.
O arbusto.
Não pode podar.
O arbusto da noite
E outro, como outros
Ao redor dela.
Com seus olhos ao redor.
Até que se avolume
Outra noite,
Ainda mais verdadeira.
O derrame, a catarata,
A cegueira.
Que só enxerga
A noite, toda a noite,
A noite inteira.
NEFELIBÁTICA
Uma nuvem performa.
O que uma nuvem performa
É sua própria forma.
A nuvem se lê.
Lê aquilo que ela nela deforma.
Seu efeito narrativo
É fragmentário e lúdico.
A nuvem é uma Marina Abramovic
Sem sangue.
A nuvem tem muitos espectadores,
E poucos espectadores.
Poucos que a valorizam
Como artista nata.
O vento colabora
Com suas apresentações.
Performance interativa
É quando chove.
Sem título
Meu fluido desperta os mortos do desejo
Como miasmas perseguidores,
Atinge o órgão de granito
Das estátuas gregas, saliva em seus pés,
Corrói o que o tempo já corrói.
Odor, sabor, textura:
Meu fluido (se) altera tudo
No percurso…
Seu alvo é o mundo.
Sua corrosão fecunda,
Presentifica, progride,
Delineia, torna instantâneo.
É um espirro em espiral, uma vertigem,
Redemoinho, maremoto,
Hidra líquida que solidifica,
Origem em estado de amnésia,
Mistério totalizante,
Desmemoriado, que origina
Tudo desde sua origem
Monocausal que perde a causa.
A causa que desliza como cauda…
Lúdica criação
Em sombras lúcidas
Como (auto)bullying de fantasmas
Que doa sentido aos fenômenos.
Estátuas gregas, automóveis,
Humanos em diálogo,
Animais em instinto,
O que eu falo, o que eu sinto:
A tísica da metafísica,
A origem (em crise) que esparge a própria meta
Na mente humana
E em qualquer engrenagem.
O fluido corrói, fecunda, vivifica
E ao mesmo tempo mata
Para procurar a origem mais profunda.
Tudo é sagrado quando há a busca,
Pois tudo é sagrado quando o homem (se) funda.
Carlos Eduardo Marcos Bonfá, nascido em Socorro/SP, professor de literatura e de língua portuguesa, é graduado em Letras (Licenciatura Plena e Bacharelado) e mestre e doutor com pós-doutorado em Estudos Literários. Todos os títulos foram obtidos na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Tem artigos e textos literários publicados em revistas acadêmicas e especializadas. É colaborador da revista “Mallarmargens”. Mantém o blog: www.carloseduardobonfa.blogspot.com
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