travessia
como a luz
que perfura o oceano
até encontrar seu fundo
ou um grampo de cabelo
abrindo um fechadura
você apunhala meu coração
com sua sombra,
atravessando o silêncio
e a escuridão
o breu do meu próprio corpo
o oco do meu coração de osso
seu punho perverso
encena uma cena de amor
uma fenda que se abre no mar vermelho,
fenda essa que é o próprio mar
toda janela é algum tipo de saída
*a partir de l’mant d’un jour, de philippe garrel
na iminência do pulo
do lance de dados derradeiro
a mulher, com o corpo no ar
e os olhos já próximos da calçada
pensa no valor específico do
instante
e no poder do silogismo
o amor é fundo profundo
o chão é objeto raso
logo,
qualquer janela
é saída
qualquer desvio
é percurso
todo futuro
é fortuito
crisântemos e outras flores
eu sempre soube que seria a tristeza que me mataria
eu sou o personagem do meu personagem
a máscara da minha máscara
a falta da minha falta
eu sou o caroço no meio do meu coração e o meu
coração
cultivo de maneira consciente ervas daninhas
faço coleção de gafanhotos e outras pragas
que destroem plantações
risco o fósforo do acidente pirotécnico
o número do meu apartamento é conhecido pelo corpo de
bombeiros
faço incêndios
enquanto espero sentada o agente dos correios
carrego e descarrego a pistola e dou show de roletas-
russas na sala de visitas
estou de simbiose com o perigo
marquei-me para morrer e não morro
Marina Rima é poeta e pesquisadora da poesia concreta e da arte do livro. Escreveu Vênus partida ao meio (Patuá, 2017), Estaca Zero & outros desvios de percurso (Urutau, 2018) e o último Toda janela é algum tipo de saída (ainda sem editora), que encerra sua trilogia inventada.
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