Livro de poemas poemail cerzi a costura por dentro da nossa identidade cultural na labuta poética do tempo – por Fernando Andrade

Fernando Andrade

Escritor e crítico de literatura

 

Rezar é pedir um pedaço de poema ao coração. Poetizar não deixa de ser uma reza talvez interna com àquilo que na análise chamamos de ego. Brincar com as palavras não estaria tão longe da Meca nem de Belém. Além das palavras há em toda célula rítmica, uma oração cravejada de som, pulsão e afetividade. Talvez a poética seja uma fuga da religião e da psicanálise em busca do Santo Graal, da compreensão do outro pelas nossas palavras. Pela poética começamos um relacionamento com as palavras em busca do fruto proibido.

Na sala de estar ou de espera do leitor encontramos uma carta endereçada ao livro de amanhã. Como uma missiva remetida ao leitor futuro aquele que ou já leu de tudo e sabe fazer as conexões entre referências literárias e o espaço geográfico de seu planeta ou mundo. Dentro de uma garrafa encontramos o Poemail, este livro do poeta flutuando entre ondas ou correntes literárias. O poeta Amador Neto põe este leitor não à deriva mas consciente de sua voz de co-autor. Hoje se pensa se há uma crise de leitores de livros. Mas penso assim como o poeta nesta teia invisível que une o leitor de poesia que estilhaça ao mesmo tempo que junta cacos de um engradado de gerações ( Coca-Cola)? Renato Russo era também um leitor.

O poeta peregrina por países e cartografias poéticas do seu afeto. Trabalha com o mínimo, particular. Cenas de outrora de outros poemas hemoglobinam em seus poemas, não deslizando em paródias, mas sim afecções homenageadas.  Faz um belo trabalho de crítica cultural, cerzindo ao mesmo tempo labor, autoria, e resenhismo. O trabalho da linguagem é lapidar e laminar. Talha na faca o corte epistemológico de cada fase da poesia brasileira. Na segunda parte Amador investe na pesquisa de onde estes poemas que andaram pela sua cabeça e afeto. E por onde andam?  De que porção e sítio saíram em busca do mundo vasto e ouvinte  dos leitores de cada rincão deste país?

A questão cultural toma relevância e temos a mistura de ingredientes e regiões que fazem de cada lugar um tempero, um certo manejo de mexer a gamela do fogão à lenha; do crepitar a fagulha incendiária da poesia de um João Cabral, de um Carlos Drummond de Andrade. Jogos de palavras e polissemias aglutinam o caldo cultural em cada mestiçagem à fogo brando? Feito por Amador nesta panela ou tacho que cabe antropofagia , auto-imagem e identidade-cultural. Na terceira parte o poeta refaz seu percurso interiorano, colando memórias de filhos, afetos trabalhados pelo viço e gume da palavra poética que não é a mesma de um acento divanesco. Aqui cabe uma possível crítica ao leitor crítico deste livro…

De não entender os espaçamentos entre vida, biografia e leitura.

Quem disse que a leitura é a terceira margem do rio?  

 

 

COTAÇÃO: ÓTIMO

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