o mirábolo
cai
como o mirábolo
em seu ofício de espantos
buscando a matéria do êxtase
na lavoura mística
cai
como o mirábolo
que trabalha em seu recanto luminoso
e prepara o sonho que trará
aos que dormem atentos
cai
como o mirábolo
no súbito arroubo agoureiro
entre a visão na madrugada incendiária
e o despertar na manhã de pássaros
cai
como o mirábolo
no seio da clareira, no centro de si
cai como o mirábolo também cai
em direção ao levante
[do livro O Mirábolo, Ed. Moinhos, 2017]
***
Criança adormecida em meus cálculos,
fixarei teu nome numa concha isolada.
Ensinarei a ti o manual do fogo, das chuvas.
Ajuntarei os animais para que os toque.
Guardarei tua voz numa adaga de cristal.
Desmembrarei teus sons e converterei
o fruto em símbolo e palavra — em linfa.
Plantarei uma flor audaz sob teus lençóis.
Cultivarei tuas mãos num jardim suspenso.
Direi às criaturas ELA DORME, porque dormes.
Cobrirei de luz as manhãs, para que nasças.
Criança minha, feita de semente e sonho,
porei o saber das árvores em teu coração.
[do livro O Caderno Surrealista de Ibán, Kizumba Edições, 2018]
estranhos viajantes
para Liza Modesto
eu saudava o nosso amor
com toques de tambor e maracás
e tu eras a chuva do pau-de-chuva
e a própria queda da chuva
incendiando os contornos da noite
éramos dois entre o céu, a terra
e seus orbitais mágicos
éramos os amantes no alto da torre,
estranhos viajantes de um outro mar
costurando o desejo das águas
teu beijo de ácido era o caminho
da floresta e na floresta o xamã
de penas coloridas
(eu me estendia na sombra do xamã,
um acorde maior iluminava o quarto;
um alfarrábio em língua estranha
guardava nosso segredo)
as palavras mais doces escorriam
de teus olhos de incenso;
mariposas de âmbar dançavam
à luz do nosso amor
nós éramos um corpo sonoro entre
os fluidos da tarde; sol e lua sobre
as janelas do mundo; uma ardência
inquieta à espera do incêndio
[poema inédito]
Lucas Rolim
1995. Poeta, tradutor e editor independente. Publicou Os Cantos de Eleanor (2017), Terrário (2017) e O Caderno Surrealista de Ibán (2018) em edições artesanais através do selo editorial Kizumba Edições, além do livro O Mirábolo (2017), pela Editora Moinhos. É membro do coletivo Acrobata. Nasceu em Teresina, onde habita e é habitado.
Ave! Temos poetas em terras brasilis. Majestoso, magistral, encantador.
Deitei minha rede para relê teus poemas. ‘Balacei’ seus poemas como mantras mandalando meu quarto ao vento do balanço da rede. Quero entrar na sua rede de poesias.
Augusto Neto