Livro de crônicas “Figuraças” com língua e verve saborosa conta um pouco do traçado do Rio com suas criaturas maravilhosas fazendo do tempo uma caixa de lembranças

 

 

Fernando Andrade

Crítico literário e escritor

 

E se a cidade que aqui me recosto não com as costas para este tal Cristo fosse um leito de Rio?  E se a cada pedaço de caderno de poesia que eu observo o verso e (de)leito com trechos tão afluentes de contos e causos, este pedaço de terra sobre o mar.

Daqui me visto de ilha. Tão impossível-impassível leitor que ainda não inventaram leitura em grupo, conjunto, nome antigo de banda, esta de cá. Leitura sempre será em ilhas não de edição, continuas, não importa se bela leitura ou transgressora.

Mas eu estava querendo era dizer para aquela morena cuja rima me pesca em poema que foi o rio que passou em minha vida. Como um remanso. Como uma brisa da manhã que me mostra lembranças. Será que são mesmo que leituras? Lembrança é leitura pelo mesmo livro? O livro da memória, da gravação do rolo, aqui podia caber uma elegia aos causos contados neste livro, do poeta e escritor, Paulo Cesar Pinheiro, Figuraças, 7 letras.

Um rolo de carretel de desavizinhados acontecimentos sobre este pedaço de barranco que é o tempo. Quantas figuras se pode ver através do filtro da lembrança? Será que tem filtro como um bom cigarro ou cigarra cantora, que espalha canções; este mote que pode dar em casas noturnas mas também pela ruas do Rio, desvarios bons com belos personagens. Quantas canções de Satã à Perna de galo, Pneu Balão, cabem nestas mansas manhãs à correr deste fluir transitório? Deixo a deixa para uma existência que flui ao sabor da cantiga.

Paulo Cesar Pinheiro fez do barco (o arco) de sua pena longeva caligrafia sobre estes espaços que nada tem mais neste Rio agora, que não sobrou de mitologias, esta invenção maravilhosa entre fato-ação e invenção sob a ótica do amor relembrado. Como é interessante a partitura do poeta para cada causo lembrado. Desde suas andanças com músicos da hilária viagem à Cuba para um festival lembrando uma amigo mexicano flautista, o humor flutuante com as palavras, que reverberam acontecências de um mundo murado entre lá e cá.

Será que as relações de amizade e camaradagem entre companheiros músicos eram baseadas naquele mundo ainda segmentado entre ocidente e oriente? Entre muros de Berlim? Num mundo todo conectado como hoje, como pensar em individualidades, em células onde vemos o sentido solo de um loucura extensa e gostosa, onde perdemos as margens da própria existência do movimento das pernas, do ir e vir na cidade tantos vagantes cantando o samba mais sincopado. Como uma torção de empuxo entre raiz e delírio entre fixidez e andarilha caminhadura.

O poeta para cada narração detida em palavras que não são nunca pausadas, pois tem e existem o movimento do balé da dança poética da geografia da relação entre ele os seus parceiros-amigos que orbitaram pela sua vida. Paulo refaz este espaço do afeto em que a escrita escora como paredes sólidas para não haver esquecimentos de ordem simbólica. Cada amigo é visto como individualidade repetida de carne-memória, tanto como um amigo que toca com ele há muitos anos numa parceria profícua quanto o andarilho-poeta rasgando e singrando a cidade como a fúria de corpo.

 

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