Três poemas de Rui Tinoco

«é uma mentira mas é
a minha mentira». as mulheres
vivem uma sabedoria diferente,
próxima da bruxaria: pegaste
no caneta e afundaste-a no
cabelo. «fico melhor com
ele preso atrás». a mim,
pareceu-me apenas uma forma bizarra
de dizer que não querias falar.

(O Segundo Aceno, Edições Sempre em Pé, 2011, Águas Santas).

*
Chagalliana
pressinto as grandes
comoções da vida. toda a gente
está de pé, conforme o acaso
as dispôs no espaço. tu, por exemplo,
de sorriso verde, aproximas-te
do teu irmão, enquanto a minha
mãe exala gestos azuis. mais
ao lado, quase passando despercebido,
o caderno semiaberto, aguarda
o pretexto – eu exatamente –
para que o poema se consiga
deitar sobre o branco. porém,
nessa altura, ignorava ainda
como iam ser estes versos. estranho
sortilégio da literatura: é por essa
exígua janela que vão apreciar
toda a cena, sem se perceberem
realmente da intensidade das emoções:
esta mão, rubra como nunca
esteve, a terminar o texto
contra todas as evidências.

(A Mão Heteronómica, Volta d’Mar Edições, 2017, Nazaré).

*
«o que se fecha sobre
as bocas?», «a recusa
do desejo?» sucediam-se
assim os versos: como
se alguém interrogasse
alguém é de repente
já se tinham passado muitos
anos. é chegada a hora
do balanço: procedo à
colheita dos frutos, construo
depois complexas explicações
repetidas em inúmeras
palestras. (eis a teoria
do verso em rosebud).

(teoria do verso em rosebud, Eufeme, 2017, Leça da Palmeira)

Rui Tinoco, poeta, psicólogo, transmontano e bracarense, a viver no Porto, dispersou vários poemas e outros textos literários em diversas revistas materiais e electrónicas.
Em 2011 publicou o seu primeiro livro de poesia intitulado O Segundo Aceno. Em 2013 veio a lume o projeto Era Uma Vez o Branco. Seguiu-se o projeto a quatro mãos Causas da Decadência de um Povo no seu Lar (2015); e A Mão Heteronómica (2017). Neste mesmo ano publica ainda a teoria do verso em rosebud. Mantém os blogues Ladrão deTorradas e Psicologia, Saúde &  Comunidade.

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