Fernando Andrade entrevista a escritora Aminah Bárbara Haman

 

 

FERNANDO –  A que ponto de distância você tomou para escrever “A Partida”? Chegou a esboçar o início ou partes do livro, quando estava em percurso, ou só começou à escrever quando voltou ao Brasil? Como é escrever in loco com tamanho envolvimento com espaço geo-afetivo em que estava.

 AMINAH O processo de escrita teve inicio com a viagem. É realmente um “diário”. Eu escrevia diariamente em meu caderno, que levei do Brasil à Palestina com a finalidade de fazer o registro. Num primeiro momento, por ser um lugar novo – apesar de habitar meu imaginário há bastante tempo – o relato tendia a ser mais descritivo, tanto em relação ao espaço exterior como interior, descrevendo minhas sensações, emoções e memórias.

 

FERNANDO Teu relato deixa ao leitor que uma certa noção híbrida de que o testemunho sobre um lugar ou uma época só é de fato testemunhal e pertinente se narrado ou descrito por uma variedade de prismas tanto emocionais quanto culturais, políticos, quase como vendo as sementes por dentro da polpa do lugar. Como foi ter este espírito divagante tendo tantas matizes à perceber e escrever no entorno?

AMINHAH Interessante sua analogia com a semente, a potência de vida, aquilo que é tudo e ainda é “só” semente, um universo inteiro por nascer e que integra em si as multiplicidades. Durante a viagem, procurei abrir todas as antenas para captar tudo. Como o ato de escrever leva mais tempo do que a elaboração do pensamento, às vezes eu fazia notas no caderno, para me lembrar mais tarde daquele fragmento que me chamou a atenção. Às vezes, quando estava em trânsito e não poderia parar para anotar, fazia áudios de whatsapp para mim mesma e depois transcrevia no caderno. Eu não escrevia sempre num mesmo lugar ou em um mesmo horário. Eu era diferente – como somos todos – a cada respiração. Acho que isso enriqueceu os prismas pelos quais as coisas eram vistas.

 

FERNANDOCerceamento do espaço geográfico, morte, destruição, falta de noções de alteridades, como você via isso na sua viagem, e como estas relações te afetaram na escrita?

AMINHAH  – Todas essas coisas convivem na Palestina por conta da submissão do país às políticas da potência dominante, que é Israel. Aqui no Brasil encontramos todos esses problemas. A diferença é que aqui (ainda) não é uma política de Estado do ponto de vista Legal, como é lá. Procurei relatar o cerceamento, a morte, a desumanização, assim como a festa, a beleza, o alimento. Tudo isso convive literalmente, a olhos vistos. E acho que essa é a grande diferença da Palestina em relação a outros lugares: não precisamos nos deslocar muito para ter acesso a essas múltiplas realidades. É como se fosse um microcosmo do mundo.

 

FERNANDO –Como é arte palestina, perante esta guerra que dura tanto tempo, você sente que poetas, dramaturgos, diretores de cinema, como eles se deixam tragar ( pacificamente ou não) pelos eventos da Guerra entre Israel e Palestina?

AMINAH Eu gostaria só de fazer uma observação. Não existe guerra quando as partes envolvidas não têm o mesmo potencial bélico. Na Palestina, o que ocorre é uma Ocupação que gera conflitos quando o povo que sofre com essa ocupação não tolera as políticas racistas de Estado implementadas por Israel contra o povo palestino. Em relação à sua pergunta, a Palestina é muito profícua no que diz respeito à produção artística e intelectual. Fiz algumas aulas de dança com professores palestinos, que são tecnicamente excelentes, assim como pude ver concertos de música e exposições. E como a palestinidade é também múltipla, não existe um único modo de reagir à Ocupação. É diferente fazer arte em Ramallah, capital política da Palestina, em que se tem a sensação de “liberdade” ou fazer arte em Al-Halil, em que as ruas estão divididas em H1 e H2, sendo uma com menos autonomia que a outra e em que podemos ver os soldados israelenses circularem com suas armas, por exemplo.

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