“quem perfuraria a borbulha no supercílio” – Três poemas de Gabriel Morais Medeiros

FOTO GABRIEL - "quem perfuraria a borbulha no supercílio" - Três poemas de Gabriel Morais Medeiros

Gabriel Morais Medeiros (1988) nasceu em Campinas-SP. Até pouco tempo atrás trabalhava como professor de literatura.

É autor de Andrômaca, quarenta semestres (Patuá, 2016) e participou da antologia Casa do Desejo(Patuá, 2018).

 

 

 

das solidões quirguizes.

Se os nazistas
tivessem vencido a guerra

teriam
erigido um

padrão-obelisco

replicando um Flugabwehrkanone

nas estepes do
                       Marrocos,
e açudes de grafite e
                          teflon,

como espelhos d’água contra a via       
                          láctea,

simbolizariam

o além-do-
                         ermo

de uma Rússia fantasma, onde as rãs
engoliriam o engasgo, para
que o barulho da
                          tosse

não lhes
viesse
a trair a
                        tocaia.

E ao longe, num zigurate

de mentira, inabitável,

feito uma usina de
                         zumba falida,

umas sarjetas para o escorrimento
de gordura

fronteirizariam

com o pôr-do-sol
                         nevável

das solidões

                           quirguizes.

 

 

 Cocolixtli

para Piojita

Você me aceita, amor, se eu lhe

peço asilo para fugir do Brasil, com o objetivo de

passar um tempo em
                          Cocolixtli?

Posso vender, visando a seu lucro,

cheetos azuis como enseadas, nas barraquinhas,

posso dispor os adaptadores de butt plugs num

frigobar desativado e sair com ele de mochila, para as mercadorias
serem melhor carregadas às esquinas, posso

amarrá-la, à geladeirinha, nas omoplatas, como se
fosse um sacolão, ou
um tabuleiro de pecinhas que brilham no escuro, ao se friccionarem
contra a capa das novelas turcas, posso

polir duplamente os garfos e facas para os turistas nudistas, enquanto eles esperam sua vez
                          na fila do bufê de camarões, posso

assegurar aos foliões que nossa empresa tem garantido
a segurança de seus cartões de crédito

fabricados com pratas lambíveis,

cartões chupáveis
como vitelas
lubrificadas por
pelúcia, e escováveis como adesivos

                        de ferro e glacê.
Na Cidade do México, às nove da noite,
na terça-feira,

ando com um camisetão de manga comprida

do Corinthians-noventa e oito, porque

faz um frio alienígena, embora
eu esteja de bermuda.

Se eu decepasse estes mangões,
e com eles costurasse, com os farrapos,
gorros, capuzes e máscaras,

eu estaria incólume
a qualquer mau-olhado ou doença,
                          você concorda,

embora fossem ficar desprotegidos, se eu o fizesse,

meus cotovelos de isopor,

e meus cotovelos de isopor congelariam sob

a blindagem dos relentos,

se eu o fizesse.

Posso choramingar um valorzinho de pechincha

para cigarrinhos avulsos, que flertam
ainda mais para fora dos maços,
e precisamente por estarem avulsos, flertam com você e pipilam especialmente,
como clitóris de feltro, de envelope cheiroso, de pólvora,

e sobretudo posso, meu amor, vender em cápsulasfitas com as palavras

 bunda, cogumelo, cafuné, esparadrapo,

                           sucata, bucle, mugre,

                           tornozelo estourado, Cubatão,

ou folhetos plastificados em molduras de pérola e tijolo vulcânico

com fluxogramas resumindo

(o público-alvo seriam aqueles
                          que vão prestando vestibular)

videoaulas
sobre a nevasca de

flocos de
                      coqueluche
                      e de varíola em 1544
em Tezonco e em

Mexicaltzingo.

Diga quando puder se há público para mim,
minha arenosinha,

nestas ruas, para
as negociações que eu lhe agora estou propondo,
uma vez

que de sua resposta depende a logística

e até mesmo a coerência de minha fuga.

 

 

Grande Oceano da Espera
Se Baraka, de
Ultimate
Mortal Kombat,
lutasse com Blanka, de
Street Fighter,
dentro do furgão
                         Mistery Machine, de
Scooby-Doo,
e este acelerasse, numa arrancada,
                       num cavalo-de-pau,
pelos acostamentos e penhascos
de uma das Estradas Mortais
do Peru ou do
                          Nepal,
ou do
                        Grande Oceano da Espera,
situável
no trópico de
                       capricórnio
lunar,
quem perfuraria a borbulha no supercílio
do primeiro a capengar
                          numa das quinas da tontura, quem
lhe coletaria o miolo do olho vazado
e lhe ofereceria a toalha
de vapor.

 

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