“o elo entre ele e mundo é feito a nado” – Três poemas de Luis Maffei

 

 

AZUL-TURQUESA

Quando olho através da
(grande)
janela do apartamento onde moro mas não é meu
(quase nada é)
aqui no Centro desta cidade que tem centro e é
perto do mar à beira justo na antessala do
apocalipse
não sei se gosto se gozo mais quando a lua me
afronta sem olhos nos olhos porque olho ela
não tem
ou se
me sinto mais aqui quando
(só vejo o sol de manhãzinha nascendo precisamente na
Avenida Rio Branco deixando-se ser fresta vejo o sol
pouco o claro me estima mas a cortina da minha
(grande) janela é azul-turquesa)
à noite tudo escuro como
dentro de mim de nós segundo exames de ressonância magnética
nuvens escuras e gordas trafegam sobre
sob
a escuridão e forçam um
tom sobre tom também sem olhos mas que
me gosta
eu posso
quero ainda
ver

(Inédito)

 

 

  simbolo de gemeos 1 xl - "o elo entre ele e mundo é feito a nado" - Três poemas de  Luis Maffei

O bravo mar nas beiras de uma escarpa
avança enquanto estala o pensamento;
o irado, imenso poço em tudo lento
dirá que de seu fim nem Deus escapa.

Ao longe, à lua, um breve barco zarpa,
e pouco nele indica movimento,
apenas seu noturno estar isento;
o sonho, então, se exibe como um mapa:

há linhas de hidrográfico destino,
há lenho e remo em mão de quem navega,
existe um delicado descortino

adiante, onde se mostra astuta pega,
roteiro de algum gênio submarino
amante de brincar a cabra-cega.

                                                                                 Angústia de remar eu não contorno
                                                                            espelho de meu rosto enfim me torno.

A noite expõe no escuro o claro cetro;
é como um pesadelo: onde há quem chame
um monstro de erosão que caiba em metro?

Silente o mapa-múndi de origami,
autômato retrô que mora retro
à nova que se diz como reclame.

A fuga é certa, espera-se um lugar
de anárquico estupor desobrigado;
se mar é rio, a água é incerto estado
e braços são quem põem remo a remar.

Brincava na falésia o antigo mar;
do gênio, só reflexo impensado;
o elo entre ele e mundo é feito a nado,
esgota-se a garganta de cantar.

(In. Signos de Camões, Companhia das Ilhas, 2013/ Oficina Raquel, 2013)

 

 

CLARISSA SHIELDS, BOXE

Aprendi

a dançar não

mas que há aulas de dança

para meninos brigões para deuses

   para

                        foxtrot 

                          bolero

                           O lago dos cisnes

                            tango           

                              vinho doce

                               funk

                                soul para os vivos

                      na terra mesmo na mesma terra onde pisamos

             Deus

 

(In. Vista de Olímpia, 7Letras [Coleção Megamini], 2016)

 

 

Luis Maffei (1974) é autor dos livros de poemas A (Oficina Raquel, 2006), Telefunken (OR, 2008 – edição portuguesa, Deriva, 2009), 38 círculos (OR, 2010), Pulsatilla (OR, 2011), Signos de Camões (2013, Portugal, Companhia das Ilhas, e Brasil, OR), 40 (OR, 2015) e Vista de Olímpia (7Letras, coleção Megamini, 2016). Pelo conjunto da obra, foi um dos contemplados com o prêmio Icatu de Artes – Literatura, em 2013.
No ensaio, escreveu os volumes Do mundo de Herberto Helder (Oficina Raquel, 2017), Despejo quieto – ensaios sobre poesia portuguesa (Editora da UFF, 2015), Manuel de Freitas por Luis Maffei, da coleção Ciranda da Poesia (Ed. da UERJ, 2014) e, com Pedro Eiras, A vida repercutida – uma leitura da poesia de Gastão Cruz (Esfera do Caos, 2012), editado em Portugal − é também autor do prefácio à poesia reunida de Gastão Cruz, Os poemas (Assírio & Alvim, 2009).

 Organizou, com Raquel Menezes, edição dos Poemas eróticos de Maria Teresa Horta (Oficina Raquel, 2018). No ensaio, organizou, com Lilian Jacoto, Soldado aos laços das constelações – Herberto Helder (Lumme, 2011); com Ida Alves, Poetas que interessam mais – leituras da poesia portuguesa pós-Pessoa (Azougue, 2011), e, com Jorge Fernandes da Silveira, Poesia 61 Hoje (OR, 2011).
Como contista, escreveu Contos da Colina – 11 ídolos do Vasco e sua imensa torcida bem feliz (OR, 2012), em parceria com Nei Lopes e Mauricio Murad, e organizou, participando também com um conto, Extratextos 1 – Clarice Lispector, personagens reescritos (OR, 2012), com Mayara R. Guimarães.
É professor de Literatura Portuguesa da Universidade Federal Fluminense e Bolsista de Produtividade do CNPq. Foi, entre 2015 e 2018, Pesquisador Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ).

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