Italo Calvino dizia que a linguagem abria no texto narrativo possibilidades visivas de uma espécie de caixa preta do que se guarda quando o texto passa por turbulências ou desastres. O grifo da caixa preta é meu. Ele no ensaio crítico Seis propostas para o próximo milênio falava dos aspectos visivos do texto. Aquilo que figurado pela linguagem transporta tanto a história como sua forma para uma verdadeira compreensão do leitor: algo como um embarque sem volta; uma viagem, sem escolta, num universo fabular.
A caixa preta seria um espécie de conteúdo disforme, uma anomalia selvagem, lidando com aspectos interditos ou selvagens mesmo do sentido textual. Esta caixa preta só seria possível pela transfiguração da história pela linguagem apurada em mimeses e sobretons do que se narra. O que nos realiza é saber que o sobrenatural pode ser crível se filtrado pela escolha certas de palavras, de certos coloridos, que tornam o texto ou apavorante, ou metafórico com alusões, imagens e emblemas.
Percebo que ao começar a ler o livro de Frederico Toscano, Carapaça escura, pela editora Patuá, abro acidentalmente, pois toda leitura é acidental, a caixa preta não só do homem contemporâneo, mas também de uma performatividade masculina. O autor habilmente transita em diversos gêneros do fantástico ao sobrenatural, costurando um fio condutor sobre as vicissitudes do homem exposto ao meio ambiente talvez mais inóspito as suas vontades e desejos. O homem ou seus personagens quando expostos ao figurativo, as imagens polissêmicas, expiram e aparecem seus prazos de validade.
Como no primeiro conto, “Isca viva“, onde um senhor com seus desejos ainda capazes, não sabe o que encarnar, seu arquétipo não se adapta facilmente à um peixe-criança que tem sua formação e fenótipo hibridizado em formas da terra e do mar. O aspecto ambíguo do texto não é retinido pelo tom da vontade, do velho. A potência masculina não se dá bem com aspectos do meio aquoso, aqui esta ideia é rebatida em outros contos onde o aspecto chão do homem é tragado pela voluptuosidade da água. Frederico sublinha e sublima muito bem tanto os aspectos em formação de um menino que não sabe onde botar suas sombras, “Menino sem olhos“, como na potência da infância em objetos “inertes” quando a olhos vistos transfiguram-se em nada quando presenciados na adultice. “Brinca comigo“.
O deslizar para este mundo sombrio e fantasmático é sempre muito bem realizado pelo apuro da palavra, o critério em alocar certas regiões de sentidos até geográficos, como um novo regionalismo agreste, o leitor é quase transportado para o entorno da história, ele parece virar um personagem invasor, aquele que olha, que opera como câmera, mas não é personagem incluso.
A violência masculina diluída em envoltórios amnióticos, em bolsas de vida geracional. O homem não sabe procriar histórias. Ele quer ser sempre agente operante, condução violenta do percurso itinerário. Frederico parece dizer que o embate do homem é com suas entranhas, talvez remodelar suas vísceras, interiorizar-se como um afeto humano.
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