André Luiz Pinto – Gostaria de analisar, Fernando, de forma conjunta, dois de seus livros: Poemometria, de 2015, e A perpetuação da espécie, de 2018. Ainda que, numa primeira leitura, eles divirjam em suas propostas, constituindo, a olhos vistos, duas fases distintas de sua literatura, ambos apontam para certa aposta entre antipoético e poético, lírico e não lírico. Como você vê essa dicotomia no que você escreve.
Fernando Andrade – Acho que no meu livro Poemometria criei um espécie de máquina poética onde queria falar através de noções do círculo e linhas sobre o pensamento quando envolto em espaços nucleados. A matemática
sobre uma rigidez formal onde os poemas são de certa forma moldados pelo rigor do que estar dentro de algo, como informações dentro de uma célula nucleada, e por incrível que pareça, os poemas não são tão fechados em suas composições. Há uma liberdade estética fluindo neles. Já a perpetuação da espécie; um livro híbrido em sua forma de expor uma história, ao mesmo tempo através do verso e do traçado de um roteiro, mas uma possível arqueologia humana, pegando uma concepção do universo do homem dentro de um arcabouço da passagem do tempo e do tempo mais finito de uma vida humana.
Esta narratividade por incrível que pareça trouxe ao livro um caráter lírico, pois os poemas traçam muitas polissemias de imagens, caminhos do sons pelo uso de aliterações e assonâncias.
André Luiz pinto – Há dois caminhos traçados nesses dois livros: enquanto que em Poemometria, como o título sugere, parece contemporizar o espacial, seja na linguagem que beira o cartesianismo, seja nos signos que permeiam o livro como um todo (“A matemática é a favor ou contra” e mesmo em outro título como “Metas), em A perpetuação da espécie, é a marca do tempo que parece atravessá-lo (por ex., na divisão das partes, marcadas por temas como “Nascimento”, “Infância” e “Lembranças”, títulos da primeira, segunda e terceira parte, respectivamente). Essa observação procede?
Fernando Andrade – Sim, na verdade tempo e espaço são as duas noções básicas da existência terrestre e humana. Mas dentro deste escopo sobre uma geometria do espaço fechado, como um círculo, queria falar por imagens da liberdade humana ou através do livre-arbítrio, ou de uma noção de perenidade da vida quando pensamos sob válvulas binárias. O fora e o dentro, pensamento e linguagem, como uma linha é fechada em torno e como ele pode ser aberta por entorno. No meu último livro quis falar de uma vida presa por uma existência do acaso ou de escolhas pré-determinadas por marcações de gênero. Falo de como nos constituímos pela filtro de sexualidade. E queria também falar de laços e lastros por continuidade familiar, como nos formamos pelo olhar dos pais. O que é ser filho? Num mundo vasto, líquido e mutante.
André Luiz Pinto – Você é também contista. Em Poemometria, um personagem aparece em mais de um poema, Ana. A poesia raramente constrói personagens. Penso, tirante a dramaturgia de textos como Morte e Vida Severina, em alguns personagens como nos poemas de Manoel de Barros. Na poesia norte-americana, o famoso personagem Henry de Dream Songs de John Berryman. Em “Cartesiana”, você escreve: “Um horizonte à fonte./ Ela alinha/ Dois lugares/ Que nunca se tocaram antes,/ Não é o mesmo que o seu romance?”. Qual o limite para você entre prosa e poesia, como você transita por essas zonas ambivalentes?
Fernando Andrade – Não acho nada ambivalente, estas torções\ entorses de gênero me facilitam até à escrever rs. A escrita por intuito é polimórfica, possui formas. O escritor ou os críticos que formatam espaços de classificação para poder talvez estudar formas de expressão artística, como poesia, conto ou romance.
Gosto de abusar das fronteiras e limites entre esses gêneros. A forma híbrida de um texto é o que mais agrada de ler e escrever, pois ela está sob suspensão do normativo olhar sobre o que é leitura, foco.
No meu novo livro quebro estas hierarquias de classificação entre prosa e poesia, inclusive na forma de expressão da linguagem.
André Luiz Pinto – Em A perpetuação da espécie, há trechos em que aparece o filosófico, aquilo que poderíamos chamar em linhas gerais de um linguajar próprio da filosofia em sua poesia. É o que encontramos no poema “Espécime”: “é na gramática dos erros que a filosofia/ Impermeabiliza o homem de ser nomeado Inexistente”. Qual a sua relação com esse acento teórico?
Fernando Andrade – Sempre fui muito especulativo em meus textos. Tendo às vezes a ser um sonhador num sentido do fluxo onírico onde imagens, conceitos , deslizes, se miscigenam numa massa caleidoscópica e sensorial.
E não é nem um modo operante de polemizar conceitos, mas sim, de significar a polissemia da reflexão quanto jogada para fora do corpo em imagens.
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