FERNANDO ANDRADE – A métrica da música, principalmente da música clássica, serviu de compasso para você escrever seu romance “Dança Sueca. Como foi construir os personagens nesta partitura tão delicada?
VERA SAAD – Para escrever Dança Sueca passei a perseguir o compositor alemã Max Bruch como uma obsessão. Ouvia seguidamente o mesmo concerto, na realidade o primeiro movimento do concerto, por horas. Comprei o disco para ouvi-lo como Birá o ouvia. Foi um processo muito intenso. Desenhei o encontro de Angel e de Birá sob as frases do concerto. Desenvolvi Angel sob o Sol Menor de Max Bruch. Ela passou a ser uma música para mim. O que no fundo eu sempre quis ser, uma música. Tão bonita e triste quanto o Concerto para Violino em Sol Menor de Max Bruch.
FERNANDO ANDRADE – O movimento sutil de progressão do enredo, quase uma dança mesmo ou um balé, entre a ação narrativa e a composição de personagens. Os eventos acontecem de forma muito espontânea na história, a transição entre os acontecimentos dramáticos são muito bem costuradas por você. Como pensou isso?
VERA SAAD – Interessante você comparar a progressão do enredo a uma dança. Pensei, de fato, na forma do romance atrelada à dança sueca, uma dança tradicional também estudada por Max Bruch ao compor suas famosas Danças Suecas. As partes do romance seguem as partes da dança: par, ciranda e quadrilha, e os acontecimentos do livro foram planejados sob esses moldes. A premissa do romance é simples: dois segredos são revelados durante uma noite e nortearão os três protagonistas. Sou obcecada por temas familiares, por isso pensei nos segredos atrelados também a segredos de família. Não por acaso Filipa Maria (protagonista) é tia de Birá (narrador/protagonista). Gosto de pensar no papel que representamos em uma família. Somos muitos e ao mesmo te mpo estamos presos a um lugar que insistem em nos encaixar. Filipa Maria é irmã, tia, filha. Carlota é irmã, mãe, filha. Todos são muitos, o que em certos momentos causa certa confusão proposital. Ao mesmo tempo todos têm um papel bem definido, por mais que se esforcem em se desprender deste.
FERNANDO ANDRADE – A sexualidade dos personagens é muito bonita e fluida. Como pensou as relações familiares dentro desta moldura assertiva de formas e jeitos inclusivos de amar?
VERA SAAD – Muito obrigada. Posso afirmar que hoje muito se conquistou, apesar do tanto que ainda há por se fazer. No século passado, não se falava em homofobia e racismo, não porque não existissem, mas porque eram naturalizados na nossa sociedade. O ambiente familiar não apenas reproduzia como reafirmava esse comportamento. Muito difícil pensar na família do século passado sem incluir esses temas. Procurei retratar isso no meu romance, não como premissa, mas como elementos fundamentais do enredo.
FERNANDO ANDRADE – A viagem de Birá, conhecendo um novo amor, pequenas surpresas que são reveladas no final, a vida é sonho já dizia Calderón de la barca. O papel do acaso parece que norteia um pouco os personagens. Fale disso.
VERA SAAD – Sim, exatamente. O acaso norteia minhas personagens nos romances, não apenas nesse. Construí também Birá como um estrangeiro, o estrangeiro toca os três protagonistas de uma maneira que me é muito cara. Não por acaso, boa parte do romance é narrada em trânsito, a ponto de já o classificarem como um road book. Voltando ao acaso, lembro-me de já ter ouvido comentários sobre esse aspecto da minha escrita. Já me criticaram por minhas personagens não terem carreira profissional. Ouvi aquilo como um baita elogio, afinal meus personagens são errantes desse sonho que é a vida.
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