Baudelairiana
Já sucumbimos às flores do mal?
Mais nenhum botão aflora no quintal,
hirtos e secos vergam-se seus caules
para não vicejarem novos males?
Revoa o poeta, gauche albatroz,
com sete faces de compositor.
A equipagem, sádica, foi a algoz
que fez verso vívido de sua dor.
Triste arauto desta modernidade
que nos deu matéria onde havia espírito
e o mal no lugar da era da bondade.
Anúncios feitos sem o dom dos místicos,
preso ao tombadilho da novidade,
anteviu nossa mazela em tom mítico!
(para o professor Davi Arrigucci Júnior)
Poema publicado em As Últimas Noites de Pompéia,
título que compõe o volume Retalhos de Sampa (Ed. Giostri 2015).
Logradouro
Um dia ainda viro nome de praça!
Não por mérito de minha pobre letra,
nem por óbito de minha personalidade parda,
também não por memória que se inventa
ou por qualquer riqueza que se ostenta,
nem por nenhum outro laudatório motivo,
mas apenas para viver repleto de passarinhos…
Para ter banco e prosa, mesmo que wifi;
ter sombra para gente e outros animais;
ser a sobra de todos no mundo dos sós;
ver a obra do mundo em todos nós.
Alamedas de comunhões arborizadas;
caminhos em redes emaranhadas;
intersecção de tempos e lugares:
fugidia permanência de antigos ares…
Quero ser mais praça do que nome na placa.
Ouvir realejo no i-phone, tomar sorvete no cone,
ter o cheiro da pipoca e as cores do algodão-doce.
Ser beijo de namorado, encontro marcado…
Quero flagrar o sorriso da menina
que fita coisas lindas nas vitrinas;
quero para mim assim gostoso
o distraído descanso do idoso.
Quero ser praça e, no lugar da estátua,
uma pedra com algum verso em seleta.
Alinhado letreiro anunciando na placa
que ali fica a renitente Praça do Poeta!
Poema publicado em Centros de Mim,
título que compõe o volume Retalhos de Sampa (Ed. Giostri 2015).
Hiato
Dias de hesitante hiato
entre o feito e o futuro,
o concreto e o incerto;
concreto feito um muro
que separa o longe do perto
e adia o reencontro imediato!
Somos a pedra e o concreto:
mais do que perto, juntos;
o mesmo desejo perpétuo,
mais do que coesos, unos…
somos nós o muro!
Matéria íntima um do outro,
farinhas finas do mesmo saco
já misturadas desde o coito,
medidas na receita do bolo
que de confeitos eu te faço
e, feito dele, sirvo-me afoito!
Menino levado, menina nua:
noite e dias de janelas abertas,
pernas tuas, a carne crua,
gente vendo por entre frestas,
as noites tortas e as carícias certas,
os escudos baixos, as lanças eretas,
todo o expediente e as horas extras,
em que o menino em agonia urra
o silêncio que o amante sussurra!
Fantasias de cantigas de gesta,
princesa, cavaleiro e herói…
mocinho, índia e caubói;
a égua, chicotada que dói,
em disparada desembesta
a fazer tudo que não presta,
tudo que ao desejo resta
pois que a morte corrói!
A liberdade em si suprema,
em ti se vê já tão pequena
agora que da cena distante,
agora que outra só adiante…
presa da espera mais que lenta
na ausência que nada acalenta,
cristaliza-se o hiato, duro diamante!
Poema que publicado em
O Teatro Delirante (Ed. Giostri, 2014)
Eduardo Carvalho sempre atuou na intersecção entre Cultura, Educação e Política, tendo emprestado da Comunicação Social as ferramentas para as pontes. Estudou Farmácia e Bioquímica e Letras na USP e formou-se em Comunicação Social na ESPM, é licenciado em Língua Portuguesa pela Universidade Nove de Julho. Foi professor de teatro e redação em alguns dos principais cursinhos pré-vestibulares de São Paulo; chefe de Subsecretaria Parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo, publicitário e assessor de imprensa, jornalista editor da Carta Maior na área de cultura, diretor executivo do Instituto Pensarte, assessorou Gilberto Gil coordenando a comunicação da Teia dos Pontos de Cultura de Belo Horizonte em 2007 (PNC – Cultura Viva – MinC), gerenciou o Espaço Parlapatões em São Paulo e, desde 2015, dedica-se exclusivamente à criação literária.
Publicou O Teatro Delirante (2014 – poesia erótica e lírica- Ed. Giostri) e Retalhos de Sampa (2015 – poesia – Ed. Giostri). Recebeu, entre outros, o prêmio Oliveira Silveira da Fundação Palmares – MinC em 2015 com o romance Sessenta e Seis Elos (2016 – romance histórico – FCP), o Prêmio Cidade de Belo Horizonte em 2016, com o romance Xadrez (2019 – romance epistolar – Ed. Patuá) e o Prêmio de Incentivo à Publicação Literária do Ministério da Cultura / Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural / Departamento de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, com a peça teatral Evoé, 22! (no prelo).
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