“Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? ” (Carlos Drummond)
Comprei o livro Pulsões de Vida e Morte, do Evilásio Júnior, assim que chegou em Santa Inês. Estava ansioso para ler. E confesso, na porta de entrada, que gostei muito da estreia. Evilásio é graduado em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão, acadêmico de Filosofia da UEMA/NET, letrista, pesquisador, poeta engajado com as causas sociais. É um insatisfeito com os defeitos da humanidade. Sabe construir silogismos fortes quando analisa o camarim, da vida, mas não esquece de promover a busca da virtude e do bem, dentro de si mesmo. Faz-me lembrar o Dalai Lama: “se você quer transformar o mundo, experimente primeiro promover o seu próprio aperfeiçoamento e realizar inovações no seu próprio interior”.
As inovações estão espalhadas nas divisões da obra: o mito, poiesis, grito negro, romantismo, o despertar da modernidade, pulsões, homo sapiens demens e ação devoradora de cronos. Trabalho bem realizado do ponto de vista editorial pela editora Penalux, usando o selo (LAMPEJOS).
O estilo é lúcido. Não busca o didatismo comum da poesia, atual. Eu poderia adotar muitas linhas de leitura, no entanto, escolhi o da literatura engajada, porque o poeta (estudado aqui) faz da palavra uma espada. A tensão está plantada entre o ser e o fazer, em cada conjunto de poemas como nos ensina Sartre:
BAILARINAS DE OGUM
elas bailam pelo ar
ao som dos tambores
frenéticos
e dos cânticos
sagrados.
elas não se
apresentam nos
espaços consagrados,
não usam sapatilhas,
não tem forma
europeias,
não fazem parte do
Bolshoi…
seus pés se fundem ao
chão,
suas vestes
homenageiam orixás,
cantam e dançam num
espaço sagrado e
coletivo. não recebem aplausos
do grande público,
não estampam as
grandes colunas de
arte, suas vestes gastas
pelo tempo,
seus corpos marcados
pela resistência…
mesmo assim, os
tambores não param
de rufar,
pois cantam e dançam
as bailarinas de Ogum.
(JÚNIOR, 2019, p. 44)
Jean Paul Sartre afirmava que escrever no pós-guerra era um ofício exigente. Todos precisam ser profissionais e responsáveis. Parece que o poeta escuta as palavras do filósofo. Faz um diálogo íntimo. Construindo no texto Bailarinas de Ogum, (dedicado para Dona Ovídia, mãe de santo tradicional do Vale do Pindaré), um painel de exclusão em nosso país escravocrata, desde sempre. “elas não usam sapatilhas”. São pessoas de cor, do povo, da tradição, das rezas e dos terreiros. “seus corpos marcados pela resistência”… Está tatuado o sofrimento do povo. A poesia enxerga as dores e faz a denúncia, com autoridade.
O filósofo existencialista acrescenta: “o papel do escritor está definido: enquanto negatividade, a literatura contestará a alienação do trabalho; enquanto criação e superação apresentará o homem como ação criadora e o acompanhará em seus esforços para superar a alienação presente, rumo a uma situação melhor”. Em PRODUTIVIDADE, na página 65, Evilásio questiona a cegueira da sociedade produtiva. O oprimido acredita na máxima protestante: “o trabalho dignifica o homem”. Enquanto o imperialismo não quer dignidade para ninguém. Quer sim, a força de trabalho e quando roubam tudo, jogam o trabalhador no cemitério, sem piedade:
produtividade
produtiva idade
a engrenagem do
tempo não para
ação violenta das horas
a produção pede idade
mãos fracas
corpos marcados pela
idade produtividade
produtiva idade
sem produtiva idade.
Diante da exploração, o poeta chega a uma conclusão que é definitiva, contundente como fogo nos olhos: “ação violenta das horas/ a produção pede idade”.
Finalizo a primeira leitura, de muitas que ainda farei sobre este livro, com uma aula do Ferreira Gullar: “a vida só consome o que alimenta”.
PAULO RODRIGUES – Professor de literatura, poeta, escritor e autor de O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018).
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