Três poemas do livro Espiral, de Irma Estopiñà

 
 

Do livro Espiral (Ed. Urutau)

 

Abismo. Fio de uma agulha onde nos debruçamos sem aguilhoar-nos. Vislumbre do abismo que propicia o que precede à dor. Ou sentir o sofrimento sem formar parte dele.

Abismo é onde caímos sem nos deixar cair. Aquilo que o olho persente no seu olhar de vazio abissal.

Submetido ao abismo, compreendendo sem reconhecer-se. Agora sabe-o, porque nunca lho tinham dito antes. Ali mesmo, no fio do abismo por tudo aquilo que importa, por nada em concreto. Sentindo a morte na vida, a vida na morte: abismo.

Não. Abismar-se é um verbo construtivo. Abisma-se e expira-se no vazio para voltar a ser alguém em terra firme e lançar um suspiro em forma de prólogo.

 

 

a imagem que permanece

o autocarro habitual arrasta um eco malsonante
tudo permanece imóvel
nem silhuetas voláteis
nem passos

nem bafos
nem…

dentro do refúgio

a fugir da pesada calçada esperada

pelas cerveza-beers

toco o líquido que percorre

a garganta seca

toco a pele azul desgastada

esmero a concavidade ocular no vidro frágil
com uma colher

a minha indiferença não mente

um sopro de térmitas come o que dizemos
e a nossa apaixonada fricção não sobrevive

nego as palavras perante a minha boa memória
conversas
em horas
tardias

da madrugada
o tremer

do acaso

o fumo

da vitória

imóvel, nem silhuetas voláteis
nem passos, nem bafos…

só as nossas bocas

e um silêncio profundo

 

 

***

Acredita nisto: identidade aparente
morrer de solidão intrínseca

E agora alarga-o:
identidade

deslocação do interior

ou parecido:

a companhia de um pássaro ígneo

 

 

irma 298x300 - Três poemas do livro Espiral,  de Irma EstopiñàIrma Estopiñà nasceu em 1989, em Barcelona mas atualmente mora em Lisboa. É licenciada em psicologia pela Universitat Autónoma de Barcelona e pós-graduada em sociologia pela Universidade Nova de Lisboa.

A sua poesia versa sobre a existência, a mulher, o amor, a identidade e a desconstrução y reconstrução das palavras e dos seus sentidos. Em 2011 ganhou o prémio “Picasso en lletra” do Museu Picasso de Barcelona, na categoria microconto.

Realizou alguns projetos poéticos junto com amigos fotógrafos e artistas, como a exposição e recital “Punto de Mira”, em 2014.

Apresentou livros em Lisboa e atualmente forma parte da organização a “Juntas – Tertúlia Feminista”. Este é o seu primeiro livro de poesia editado bilingue, em português e espanhol, pela editora Urutau.

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial