Fernando Andrade
Jornalista e crítico literário
O poema é uma luva cheia de ferimentos. Mas leitor, repare que sobre a luva não há cortes. Parece uma mão íntegra. Sem desvãos, sem segredos. Mas repare na escuridão da escada, quando a luva sai de sua mão, ou estrada, como ela está retorcida em sua esfaqueada ferida. Uma mão que já posou em flores, mas também em corvos. Uma mão que em(lutou), viveu com devassidão e intensa fúria. Por isso acha de palavra solta faísca, fagulha, gravetos de pensamentos em forma de verso. É como uma dose bem equilibrada de vários tons, matizes, substâncias que derivam tão bem em misturas.
Lendo estes poemas de Anna Mariano, apenas por nós choramos, editora Penalux, parece que vou ver um certa cirurgia de facada, no abdômen do poema, sangra tanto… mas o corpo do texto se recupera, é bom passar por uns tombos de vez em quando, né?
Anna faz corte e costura na pele de seus poemas, tão deliciosamente misteriosos, como claros e visíveis à luz do dia. Sua tonalidade de escrita é o meio tom, aquela alvorecer de tons carregados de roxos, hematomas, olheiras profundas por leituras de clamor e son(h)o.
Anna desfia, através de suas imagens que percorrem o interior do poema, com lazúlis de afeto familiar, fotografias de um sul luso como um navio ancorado na terra estrangeira do exílio. São tantos meios entre colunas e lacunas, entre dizeres e silêncios… A poeta opera com mãos de tato ou tatuagem em pele imperecível. Ah poeta são sustos bons que você me enovela, com a palavra no azul profundo do desejo, na alvura da página, à meia sombra do cinema aquela tinta que exprime quase nada por tão muito, onde põe sua expressividade.
Apesar de você já dizia uma música, apenas por nós choramos, já que a escrita ainda é um desterro no singular.
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