a primeira vez do rosto
a primeira vez que a gente vê o rosto
ainda é cara e a gente não lê
é boca nariz olho 1 e 2
é bonito ou feio ou aquele quase
mas ainda não é o rosto
com o tempo ele meio
que cai no gosto
de um jeito sem querer
ele vem na cabeça
já decorado sem perceber
fica algo exposto
o que tem diferente esse rosto?
um dia atrás do outro
paira a pira sobre a gente
meio bicho encosto
e ali na esquina um dia
a pele abre
e passa agora a ter gosto o rosto
boca nariz olho 1 e 2
e sabor
e um formato mentiroso
porque já é outra coisa
quanto passa a ter gosto
e na outra esquina passa a ter gozo
vira mais incomum
e a gente passa a ter na tela o rosto
passa a querer a esquina no bolso
e o que era solto nos outros
agora ronda e gruda e é bom
rosto no rosto no gozo no gozo
até que em um dia
do mês antes de agosto
mal o sol saí pro seu posto
um novo rosto
o gosto de sal sobre
olho 1 e 2 desgosto
roto a gente arrota e grita a falta daquele gosto
e só vira voz o rosto
e vai virando o dos outros nas esquinas
o coro aberto do rosto
a gente vê na cara dos outros
aos poucos
vai acostumando a contragosto
a sentir a distância
do que é uma cara e um rosto
e já num seguinte sol de agosto
já tem outro
que não é só boca nariz e olho 1 e 2
o seja lá o que for
já tem outro rosto
balaio
vermelho.
abre o sinal pra mais um índio
botar o balaio na minha cara
pra botar mais um índio
no balaio dessa laia
sinal de bala, sinal de bêbado
mais um balaio
pra gente da rodoviária
que desce apressada
boa e beata
e no mesmo balaio
da calçada que virou taba
sexto cesto nessa semana
faz sinal pra que saia
a criança rubra
sem sinal de rara
bota no mesmo balaio
da do sinal que para
e pede raspa
rala rala rala
esmola moda
do mesmo balaio
do velho na rua
do raio do rosto sujo
na minha cara
bota no balaio da bala
do bandido e abre o sinal
verde.
dinâmica doméstica
a menina estende os passos sobre o muro
a mulher estende a roupa no fio de nylon
o rabo de cavalo da cabeça da menina
o pingo de água do varal da mulher
o laço prende o cabelo
o grampo prende o pano
o sol brilha nos treze anos que se equilibram no muro
o sol bronzeia os braços que penduram panos no fio
a TV fala sozinha lá dentro
a mulher alerta aqui fora
a louça suja se equilibra lá dentro
o sol evapora e roupa limpa aqui fora
a mulher prende o grampo com a boca
a menina prende o grito com a mão
a mãe estende os braços em socorro
a filha estende o sorriso em gratidão
mãe e filha se estendem sobre a grama
se estenderão ainda quantas tardes mais
mãe e filha?
Kleber Bordinhão nasceu em Ponta Grossa-PR. É autor de cinco livros de poesia: distâncias do mínimo” (TODAPALAVRA, 2010), “Ano Neon” (Estúdio Texto, 2013), Fictícias (Estúdio Texto, 2014), “Carta aos Cortes” e “Sentir é Sucinto” ambos lançados em 2018 pela editora Penalux.
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