“Seus passos ecoam na estrada” – Fabrício Oliveira

Fabrício Lima Oliveira ou simplesmente Fabrício Oliveira (Feira de Santana-Ba, 21 de maio de 1996) é um poeta, pesquisador de Literatura Brasileira e graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS.

 

 

A CARNE

Quando mãe morreu,
meus irmãos soltaram foguetes
num céu revestido de cinzas
                                           e silêncios
tônicos.

Ao longe
eu chorei lágrimas de lâminas
                                          em açoites,
enquanto pai sorria um riso zênite
na noite:
escrevendo cicatrizes
                                nômades
em meu coração de pedra.
                                        Pedra.

Chove pétalas de estrelas
sobre o caixão de quem
                                          na velhice
teve somente a companhia
dos sábados remendados
a chorar com os cachorros.

Quando mãe morreu,
eu estava ouvindo Belchior,
eu estava ouvindo a morte
rasgando as escrituras
                                   de minha velha.

Morrer é perder-se na faca
                                        (cega)
de Deus. É chorar sobre a so(m)bra
das velas.

Chove pétalas de estrelas
sobre as mãos de mãe:
o vento canta com a fênix.

Enquanto mãe apodrece
                                     sob a gente:
meus irmãos tomam chopes,
degustando a carne
ainda fresca.

 

 

PESADELO

Há uma matilha de facas
entalhando minha face;
cães urinam sobre minha pele:
todo negro é um hóspede da noite,
que o persegue.
Triste presságio:
todo negro terá suas cotas
para o inferno.
Seus passos ecoam na estrada
para o naufrágio.

E nascem ossos nas flores
que o negro colhe.

 

 

A MENINA DE JEANS

Ao passo que a menina
de calça jeans
                     é estuprada
no gueto da noite,
viaturas em ruído
atropelam mendigos
(sem semblante ou sina
sob a face do inverno)
por burilarem o léxico
                                do lixo.

Deus atenta-se a teorias,
e se esquece dos que estão
sendo invadidos
                        por balas
e pênis
sob sino/símbolo
das igrejas.

(A chuva está para o vento
como a culpa
está para a vestimenta?
Ao passo que a menina
de calça jeans
                     é estuprada
sob andaimes da noite,
Deus recita versos longos,
toma cerveja e acende um cigarro
sob gritos
em êxtase
                 ecoando
sobre a mesa
onde habitam bíblia
e revólver.

Estar na vida é ser
engolido – amiúde –
pela gula do sortilégio
                                  dos deuses;
o riso avança
para o degredo.

Viaturas em ruído
                           avançam
sobre crianças
                       arrancando-lhes
órgãos-digitais
e moedas.

No quintal da noite
o giroflex
               tira selfs
do gozo
transmutado em ossos.

O homem perdeu o paraíso
por causa dos olhos.

 

 

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