Fernando Andrade
crítico literário e jornalista
O poeta é um fingidor. tá ok, mas vamos aprimorar a frase do Fernando… Finge a dor que deveras sente. Não estamos aqui em hospital para investigar o corpo com sua possível dor em alguma região de um organismo vivo. Claro que podemos falar em corpo do poema. Sua mancha escura na platitude da página. A dor é algo que se possa investigar, totalmente científica? Ou ela está mais para algo que traceja certa simbologia… Como uma imagem? A imagem da dor seria tão interessante quanto botar um elefante numa casa de bonecas.
Sim, vamos dizer que estamos lidando com gêneros. Não de dor. Mas de investigações sobre o processo nem sempre terapêutico de saber onde existem fronteiras entre linguagens. Voltando ao texto fingir é dissimular… mas na hora da investigação é correto dizer que para investigarmos a escrita é necessário um pouco de dissimulação. Vamos tentar chegar perto disso comendo por dentro a palavra hipótese.
Algo que não se confirmou comprovadamente. Para ficar no coloquial. Mas seria interessante que dentro desta barafunda de hipóteses, tivéssemos um plano, estético. Misturar ou hibridizar discursos. Entrevistas, depoimentos, enunciados psicanalíticos. Ver o avesso do permitido na academia. Provo um tema, tessituro uma tese. É o caminho do puzzle: da bricolagem, em dinamizar os ingredientes colocados à mesa. É isso que faz muito bem a poeta e psicanalista Morgana Rech em seu novo livro, poemas-pesquisa, pela editora Penalux.
Morgana vai pelo percurso da localização do poema. Onde ele se insere em sua localidade na semântica literária Pós-moderna; na verdade há um certo componente de desejo fluindo pela escritura do livro, desobrigando de teorias binárias, onde a relação de síntese sempre haverá de ter conclusões. Desfechos aqui não são fins, mas golpes na caretice de uma literatura que ser quer monogâmica em seus fins procriativos. Com extrema leveza e delicadeza, a autora deslinda encaixes sobre corpos de saberes, tanto da psicanálise quanto da arte. Um trabalho de análise, sem trocadilhos, rs.
Falar e escutar parecem que são artes de um certo consultório onde a voz que escuta, parece ser a voz que imbrica e hibridiza toda uma fala de sentidos que são vazados pelo macio do tempo, pela mágica de um poderoso sub-texto que linka as miudezas do aspergir poema; sua estética e ética tanto na produção quanto talvez, mais importante, na recepção do leitor-ouvinte. Engana-se o leitor que pensa que a autora desconstrói teoria-discursos.
Poemas como avião Pecilotérmico, Comprovando que o poeta está em paz, são pensamentos abertos que colocam na literatura a ambivalência do postulado, buscando a lógica do sentido em seu avesso.
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