ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Katia Maciel

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FERNANDO A questão da perspectiva do olhar é muito bem trabalhada por você no seu livro, mas não apenas em nível semântico. Você mexe com a forma da linguagem em nomear as coisas. O que chamamos de referências que são contextos que a língua serve para definir, nomear, parece que você reorganiza, ou bagunça para sentir uma poética talvez do devaneio. Fale um pouco disso.

KATIA – Os nomes na poesia fixam um deslocamento. Nomear, então, é semear e plantar. Em Plantio procuro o que pode ser fértil ou não. Trata-se de uma espera, de um intervalo ou suspense que acena um sentido possível ou mesmo uma ação. As imagens vão desde dos gêneros e espécies de sementes e gestos até ao hábito do cinema noir de plantar armas. Também há mistura do que é imagem de outras imagens, como as do cinema, às imagens originadas de tragédias anunciadas, como a da última eleição ou dos incêndios na Amazônia.

Plantio procura a dimensão avessa ao animismo. Estar plantada pelas árvores, talvez seja um devaneio, mas o que penso é que o devaneio é não pensarmos assim, não entendermos o sentido vital de cada árvore que plantamos ou não. O poema 

você já plantou uma árvore hoje?

é mais do que uma convocação poética, é uma proposição para dar sentido ao contexto devastador que vivemos hoje no mundo e particularmente no Brasil.

Falando assim parece um livro manifesto e não é, os poemas foram escritos agora e o agora sempre se inscreve, mas não prescrevo nada, neste sentido o Plantio é mais um assobio do que uma ventania. O conjunto dos poemas compõem um contracampo do que parece natural e não é, é mais uma pergunta do que uma tentativa de resposta.

 

FERNANDO – O plantio aqui sai do campo natural, natureza, para servir de aspectos lúdicos para o vários níveis de significados, levando a palavra a um campo imagético, bem polissêmico. Como foi trabalhar as várias topografias, por exemplo, da palavra plantar no seu livro?

KATIA – Plantar é quase tudo. Uma palavra, um gesto, uma ação.

 As nuvens listradas vindas do mar, frase de James Joyce, contém para mim as variações topográficas a que se refere. Expandi o movimento e grafismo para o poema

nuvens listradas vindas do mar
enchem os poemas
de páginas

aí as descrições, as superfícies e as cartografias se embaralham como suporte do poema.

Também aparece no livro uma palmeira em um bote e o mar é a terra. 

O campo semântico anunciado por plantar, plantio, plantas, sementes, não para nunca de abrigar novas relações e inversões de sentidos com as imagens que formam.

 

FERNANDO  A uma interessante relação do espaço aqui que pode dar ideia de algo comum, uma floresta por exemplo, um bosque, para uma esfera íntima de uma espaço de nomear as coisas perto da gente. Você faz este pulo destas esferas com grande destreza e afeto. Como foi este deslocar entre o comum e o íntimo?

KATIA – É como um zoom in e um zoom out, como uma máquina ótica a se deslocar de dentro para fora e vice- versa. A árvore que plantei na minha janela é o dentro e o fora ao mesmo tempo.

A imagem da capa é um trabalho fotográfico que realizei e que também se chama Plantio. Uso fios de sisal para içar os galhos que prendo aos objetos da minha sala. Este gesto é muito próximo da captura da escrita, uma tessitura de amarras soltas.

Os poemas de Plantio estendem a sensação de uma natureza urbana intensa da cidade do Rio de
Janeiro que possui a maior floresta existente dentro de uma cidade. Vivo imersa neste verde e escrevo dentro desta casca, casulo ou casa ouvindo pássaros, buzinas e o barulho da geladeira.

O afeto como você comenta é mesmo o motivo, o que liga e desliga o modo do que se diz, me parece que a escrita é disparada assim, e aqui, o plantio ocorre nos termos de uma sensação produzida pelo sensível não humano das plantas.  

 

FERNANDO O cinema aparece em alguns poemas como modo quase de edição, muito sutil, onde ele talvez ajude na relação espacial da montagem do corpo do poema na mancha tipográfica. Como elaborou esta relação espacial na esfera cinematográfica.

KATIA – A ideia de cinema é estrutural para mim sempre. A construção de uma imagem e seu modo de exibição. Não apenas sua composição, o que se vê, mas como se vê e de onde se vê são problemas que insistem. O livro é uma montagem de poemas e sou bastante atenta a ordenação, a relação entre uma página e outra, ao modo como o poema se relaciona com o que vem antes e depois. Ainda que um livro de poemas possa ser lido em qualquer ordem, sempre penso na sequência, nos agrupamentos, na abertura, no fechamento de forma similar a montagem de um filme.

Neste livro não apenas o cinema, mas também a fotografia é uma referência. Uma imagem fixa que derrama sobre aquele que a vê um tempo ausente presente. Não apenas a imagem de pessoas, mas de paisagens, como o mar. O movimento capturado das ondas em preto e branco.

O que me interessa é fazer coincidir os dois lados ou tempos como nestes versos do poema

alto da boa vista

“meu irmão me segurando para não cair
do quadro
o leão rugindo a pedra

meu irmão se movimenta na fotografia e me alcança enquanto estou aqui olhando para ele na fotografia

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