A rotina e a existência humana no entrelaço das palavras de Camila Rodrigues

MERGULHO ANTICÉU - A rotina e a existência humana no entrelaço das palavras de Camila Rodrigues

 

Marcelo Frota
crítico literário e professor

 

Redemoinho é a palavra que me vem à cabeça ao ler Mergulho no anticéu da Editora Penalux. A criadora do projeto “Deixo Poesia”, Camila Rodrigues que espalha poesia e flores na capital paulistana, traz por meio de palavras que se entrelaçam um significado para a rotina e existência humana. Em seu livro, a autora cria um diálogo entre autor e leitor, no qual, o leitor vai ser sugado para suas ‘melodias’ em forma de palavras.

A autora já adverte seu público para a leitura e interpretação de sua obra, em suas palavras “Aos que perderam o fôlego/ e encontraram resistência/ em seus mergulhos profundos”. Por meio de palavras simples e diretas, a autora nos trás uma imersão para as profundezas do ser humano. Durante a leitura dos poemas ‘Submersa’ e ‘Contrafluxo’, nos adentramos em um mar revolto, talvez calmo, deixando a brisa do vento bater em nosso rosto e com uma leve chuva, talvez, a nos expurgar nossos tormentos.

Em Submersa, o poema reflete nossos receios, nossos medos, nossas vontades e nossas observações da vida. No trecho ‘Perdi o fôlego/ imersa/ já era mar/ a alma inundada/ transbordava em dores/ que flutuavam sobre a água como/ corpos mortos a boiar sem rumo”, trás a metáfora da palavra mar que corresponde aos redemoinhos da viva, das dores e sofrimentos em que ficamos imersos. Perdemos o fôlego para fazer com que a vida siga o rumo que almejamos, sem obstáculos, mesmo sabendo que obstáculos são inevitáveis.

Já em Contrafluxo, a relação da palavra mar é colocada de uma forma que represente nosso cotidiano e o sufocamento que as atividades rotineiras nos causam.
Quando se lê “Mar de gente à minha frente/ buzinas gritavam na mente/ passos rápidos e urgentes/ empurravam meu corpo ausente/ a lugares em que eu sempre resisti estar”, percebemos como somos pequenos dentro do universo e ao mesmo tempo, como somos grandes nesse fluxo constante em que se vive, nesse redemoinho de pensamentos, vontades, desejos, ideais, entre tantas outras coisas.

Esses redemoinhos por que passamos em nossas vidas, onde somos sugados, quase naufragando, em nosso ser humano dentro do mundo, podemos encontrar relações bem familiares nas palavras de Camila Rodrigues, que retrata nossa rotina, por muitas vezes asfixiante. Dois outros poemas me chamam a atenção nesse sentido, ‘Asfixia’ e ‘Diálogos surdos’.

Em Asfixia, no palco de nossa vida, somos sufocados diversas sensações, e não podemos deixar de pensar em nostalgia, pois essas sensações já estão impregnadas no nosso ser. A pesar dessa nostalgia não ser algo que nos remeta a uma sensação boa, de certa forma, antecede um acontecimento importante e que vá mudar nossa vida. Ao ler “Suor frio/ vista trêmula/ pupila dilatada/ plateia lotada/ vista trêmula” parece que antecede algo tortuoso, mas nas frases finais, temos uma espécie de libertação, como podemos ver em “plateia lotada/ retardamento da respiração/ 22:05 óbito por as/ fi /xia”.

Já em Diálogos Surdos, podemos sentir através das palavras da autora a necessidade de gritar ao mundo, um mundo que não escuta, que não vê, que não nos vê, que não nos ouve. No trecho “eu era silenciada/ furtada de mim/ mas só conseguia gritar calada/ enquanto aquela boca vomitava lâminas na minha voz/ ecos de desespero dentro de mim” percebemos a necessidade de sermos percebidos, de sermos respeitados. Mas a autora mesmo dá a resposta final, quando ecoa “no fim restou apenas a boca seca/ com o gosto amargo/ de quem teve as palavras arrancadas/ da própria alma”.

Ler Mergulho no anticéu me fez perceber que muitas vezes não somos visto, nem ouvidos, nem respeitados. Mas buscamos sempre nossa voz, para falar ao mundo nossos desejos, nossas ideias, nossas constantes buscas na vida, fazendo um redemoinho nas dificuldades, receios, preconceitos, entre tantos outros fatores, e assim, conseguir mudar a história, não somente nossa, mas desse mundo habitado por nós.

 

 

MARCELO FROTA FOTO 2 258x300 - A rotina e a existência humana no entrelaço das palavras de Camila RodriguesMarcelo Frota é professor e tradutor. Nascido no Rio Grande do Sul em 1979, é apaixonado por cinema, literatura e música e tem apreço especial pelo jazz e pelo blues, sem deixar de lado o rock clássico e a chanson francesa. Considera-se um cinéfilo devoto e apaixonado pelo cinema europeu, americano, latino-americano e brasileiro. No seu coração literário os espaços são ocupados por autores que vão de Shakespeare a Saramago, sem nunca abandonar os romances policiais baratos, a ficção científica e a poesia marginal. 

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This Article Has 1 Comment
  1. Roberto Monteiro Reply

    Apenas um detalhe de um leitor chato: rimas. Ainda são necessárias rimas em poemas???
    Bem sei que faz parte da técnica, ate gosto de alguns versos rimados, mas pelo pouco que vi da obra da autora, é muita rima para o meu gosto.
    Abraço.

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