Amantes
Nossa infâmia começa cedo
A luz devassa,
A cama bisbilhotada
Os corpos esquartejados
De ontem
Precisamos nos remontar
Já é dia.
A bailarina literata
A bailarina literata não se move
Os músicos tocam apreensivos
Algumas tosses
E olhares inertes
Duas horas transcorreram
Até os agradecimentos
Poucos aplausos
Poucas visitas ao camarim
Ninguém percebeu
A beleza daquele Romeu e Julieta
Dentro dela.
Fábrica de sol
A máquina de prensar humanos faz seu trabalho
E se temos porventura algum pensamento sombrio
Logo um desânimo contente nos acalma
Precisamos de otimismo e unidade
E cânticos às engrenagens, aos domingos
Para permanecermos sorrindo sob a máquina de prensar humanos
Para sobrevivermos aos exigentes que nada criam
Para continuarmos da substância que existimos
E criamos o hábito.
A nação flácida
O homeopático homem acocora-se
Diante do aparato
O desafortunado nunca dirá não
Aos cavalos de botas
Nem às intoleráveis desídias
Morrerá de câncer, de febre, de raiva
Definhará de notícias
Os cínicos divergem sobre as estatísticas
Faladores
Eloquentes da nação flácida, nunca estancarão
Deem-lhes as costas ao menos
Nem lua nem revoluções neste país de pequenos.
Roda da fortuna
Entre quatro paredes
Mais um arcanjo se arde
Na vertigem do gesto
Um saltimbanco desaba
Nos porões delirantes
A bailarina se enforca
Nos pulsos nervosos
O poeta se corta
Na bebida amarga
A atriz se afoga
Na veia que sobe
O palhaço se estraga
Nas rodas do ônibus
O menino se embala
No gás inexato
Os namorados se acham
Há um estranho palco sem atores
Neste sombrio teatro de credores.
Lida
No grotão de ser sozinho
Perdi a linguagem
Arredei para o lado dos bois
Mata ensimesmada
Abrigo de lâmpada esmorecendo
Guarda de ruídos e palavras dispersas
Sobram as sombras, murmurejam os muros
Gado bravo em cerca velha
Dia tirado dos mateiros
Tear, garimpo, ordenha
O tedioso ofício dos dias
Carcaças de poemas
A um copo de cachaça me empurras
À essa imagem existência
Torrão que é semente e pasto
E uma pontada nos rins.
Marcelo Benini nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1970. Publicou O Capim Sobre o Coleiro (poesia/2010/ed. do autor), O Homem Interdito (crônica/2012/Intermeios), Fazenda de Cacos (poesia/2014/Intermeios) e Currais Concretos (poesia/2018/Intermeios). Vive em um núcleo rural próximo a Brasília-DF.
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