Em tempos sombrios, criar é um ato revolucionário. Em tempos de pobreza intelectual, escrever é um ato de resistência. Em tempos de urgência dos toques nas telas dos celulares, algoritmos com conteúdos pré-programados nas redes sociais, tendência a se exilar em uma bolha de pensadores irmãos, escrever poesia é um grito de guerra, um levante as armas; mas, acima de tudo, uma forma de expressão pura, que resgata a essência da arte ao explorar a beleza mais fundamental – e muitas vezes esquecida – do homem: a capacidade de imaginar, a habilidade de sentir e de enxergar através das palavras.
Tais considerações iniciais não são em vão. Em uma época de imediatismo e barbárie política e social, escrever poesia, dedicar-se como um servil diante da palavra escrita e dela retirar a essência do que compõe nosso tempo é tarefa árdua e para poucos. Em seu novo livro, Poemas de Última Geração (Editora Penalux, 2020), Samuel Marinho se debruça sobre papéis, máquinas de escrever, computadores e smarthphones para traçar um parâmetro lírico da pós-modernidade. Sua forma de escrita fluida e pulsante faz com que a leitura de sua poesia às vezes se assemelhe à leitura de um post de rede social, uma mensagem no instagram, um twitter captado com o canto dos olhos, que nos rouba o tempo e nos leva à reflexão.
Um amém a essa forma ousada de escrita, quem sabe uma selfie? Sim, várias e desejadas selfies. Retratos dos nossos dias e definição do nosso recorte temporal.
Palavra de origem inglesa, que possui um significado facilmente reconhecido, recurso que tornam autoexplicativos os versos do poeta que, com ela, constrói um dos poemas inaugurais e mais elegantes do seu novo livro, “Poesia por todos os séculos amém”: “que seja o post a poesia mais direta / que o deslize das mãos alcance vida mais concreta / o que será a selfie senão o autorretrato do poeta?”
Samuel Marinho, como um artista que vive e representa seu tempo é um escritor que se posiciona, que não fica em cima do muro. Samuel não é diplomático, não é chapa branca, não se esconde atrás do conforto da imparcialidade e não se acovarda tentando agradar gregos e troianos, para usamos uma referência conhecida por todos. O poeta mostra seu posicionamento de forma tão sutil e com fina ironia que o próprio título do poema “Da timeline do País de Alice” é pura poesia a preparar o leitor para duas frases, somente duas, que tem em sua simplicidade o poder de desnudar hipócritas e a força de ruborizar canalhas: “conhecereis a verdade / por meio de fake news”.
Quase como em uma citação bíblica, o autor resume de forma precisa nosso tempo e sua superficialidade, em que certezas fugazes são formadas em grupos de mensagens instantâneas, em que presidentes são eleitos com fake news, em que a verdade, como a conhecíamos, já não existe mais.
Além do lado político e social, Poemas de Última Geração traz também uma construção em cima de referências poéticas e da cultura pop em geral, explorando de forma delicada e atual o conhecimento do leitor, seja através de citações a poetas e personalidades contemporâneos ou não (Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Frida Kahlo, Caio Fernando Abreu, Belchior, Tiago Iorc, Marília Garcia, dentre outros), de referências a antigos desenhos animados e filmes (Os Jetsons, Os Flintstones, De Volta para o Futuro) que até hoje habitam o imaginário daqueles com trinta e poucos anos ou mais, ou menções a títulos mais atuais (Game of Thrones, Black Mirror, Velozes e Furiosos) que fazem a cabeça daqueles de vinte e poucos anos ou menos, os de “última geração”.
Ao trazer sua poesia para o lado da cultura pop, interessante perceber que o poeta traça em seus versos referências que transcendem mídias, formando assim um Black Mirror entre gêneros e uma ligação entre a arte escrita e imagens que transcendem o imediatismo do dia a dia.
Poemas de Última Geração é ao mesmo tempo uma fuga e um encontro com nosso eu do agora e nossos eus de antes. Eus inocentes que acreditavam em sonhos de liquidificador nas músicas do Cazuza e do Renato Russo, crentes em um futuro prospero e feliz, antagonizados por nossos eus de agora, em que verdades são fabricadas em mídias sociais e o presidente se ampara em discursos nazistas para governar e se fazer notar.
Marcelo Frota é professor, escritor e poeta. Apaixonado por música, literatura e cinema. É coautor de Compilação Poética das Margens e autor de O Sul de Lugar Nenhum, lançado em 2019 pela Editora Penalux.
Que nunca nos falte a Palavra e o Poeta!