por Fernando Andrade /jornalista e crítico de literatura
No conto o personagem quer uma ação; ele pede uma ação como pede uma caneca de chopp, embora ache que o narrador não deva beber a caneca tão depressa, pois no conto a rapidez não conta, e sim, a benevolente pausa; o ritmo entrecortado do à dizer. A ação do conto pede respiração lenta de quem pensa, enquanto bebe uma caneca de chopp.
Na crônica também não podemos dizer que a “destilação” do tom de beber, sua cor, sua matiz, também não sirvam de metáforas para uma ação descortinada de seu teatro interior, da cena íntima. A crônica serve à goles curtos e fraseados secos de bar? A crônica adota a experiência talvez do garçom ou do balcão que leva na bandeja, ou no tampo, tantos paladares balançados ao ritmo próprio de uma dança que obedece ao movimento do corpo, mas tem um fim, que não é seu final, mas um enovelo que são tantas outras histórias ali encenada na mesa daquele bar.
Portanto escrever sobre crônica é frisar o seu próprio deslocamento entre experiência íntima e individual e o próprio distanciamento de um garçom que leva num caminhar musical de pernas, todos os ritmos e ingredientes daquela cena cotidiana. Kleber não usa o eu do trovador, aquele que usa a experiência para alquimizar a massa disforme do que trago – não só massa do eu, aquilo que a psicanálise diz que trabalhemos no consultório, quando falamos ou escrevemos, mas também do efeito de tragar, fumar, impelir vícios trocadilhos de bar ou expeli-los mundo à fora.
Sua dinâmica reflete a boa terceira parte de um palco onde sabemos que tem a cortina atrás da gente, saímos de um camarim, onde às vezes não sabemos se estamos sós ou com a personagem já baixada. O tom de sua voz em crônicas que falem de si como ator da cena, revela aquele passo vindo do garçom, parte do contexto, ele é a cena, o entreouvir de conversas, também os convivas, a celebração: o ato epifânico.
Kleber faz esta transição em falar de coisas muito particulares dele de forma que o movimento seja ao mesmo tempo íntimo, porém observador com olhar participativo. Mesmo quando as histórias não tem sua participação como Bibliografia, Balcão, uma deliciosa homenagem aos livros, com a melhor tradição das fábulas, ali o universo é quase humano, relações de afeto pelo objeto do desejo.
Modulando a linguagem de acordo com a verve utilizada na crônica, temos uma infinidade de filigranas sobre a arte do encontro, as relações feitas e desfeitas, a cultura vinda do costume e da tradição, caminhos vindos da infância, e virados na esquina onde a *memória é ladeira do corpo agora outro.
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