Adriano B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor dos livros Flor no caos, 2018 (Desconcertos Editora), e Contículos de dores refratárias, 2020 (Editora Penalux). Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados nas Revistas Acrobata, Berro, InComunidade, Lavoura, LiteraturaBr, Literatura & Fechadura, Mallarmargens, Mbenga, Mirada, Pixé, Ruído Manifesto, São Paulo Review e Vício Velho. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.
Fernando Andrade: Você apanha elementos muito precisos da cultura brasileira, traços até de certa glosa cultural sobre a aferição do agir sobre algo que temos como esteio por trás? O que matizamos de pensar a política, sem ser partidária, mas a política dos afetos sobre o cotidiano. Como foi desenhar cada conto com estas paisagens?
Adriano B. Espíndola Santos: Primeiro, quero agradecer a oportunidade e dizer que é uma honra ser entrevistado por ti, Fernando. Acompanho as tuas entrevistas e vejo como és perspicaz para apreender os detalhes, às vezes despercebidos mesmo pelo autor. Sobre os contos, penso que fui desenhando de acordo com as minhas vivências guardadas e, principalmente, instigado pela efervescência dos graves conflitos experimentados em meados de 2018. A ascensão de um projeto fascista me demandou, naturalmente, a apurar os sentidos e, com isso, busquei perceber as personagens que aguentam e enfrentam a complexa engrenagem chamada Brasil. Partindo de meu lugar, que talvez tenha mais propriedade para falar, notei as interferências danosas nos quadros vulneráveis, como nos projetos sociais, que claramente perderiam incentivos – fato que se consumou mais adiante. Portanto, para escrever esse livro, tive de dar ouvidos aos clamores que permeiam a consciência e a inconsciência: que dores nos perseguem e nos impulsionam a lutar?; que atores são submetidos aos mandos do governo?; que reações são provadas?; que brazil é esse tratado por Aldir Blanc e por Darcy Ribeiro, por exemplo? Sem a pretensão de esgotar os temas, absolutamente, vou me alimentando de quês.
FERNANDO ANDRADE: Teu desenho dos tipos de personagens sobre a matiz cultural é perfeita. Personagens que revelam ações, mas também um forte traço de tipos de características do viver brasileiro. Como foi esta criação para que eles se tornassem carne da carne, sem virar emblemas de um algum tipo de estereótipo clássico da antropologia cultural?
Adriano B. Espíndola Santos: Realmente, procuro fugir do lugar-comum, que tira, obviamente, a verossimilhança – além de tornar algo pejorativo, desagradável à literatura e ao leitor. Assim, os traços vêm de cortes reais, de personagens que ouso plasmar para deixar viverem. Arrisco não me guiar exclusivamente pelo que está preestabelecido nos cânones, mas, sobretudo, por minhas percepções, com a crível expectativa de que um dado enredo pudesse existir; ou, se não, sem tornar caricatos ou panfletários, acentuo as características marcantes dos personagens, para efetivamente incitarem as inquietações próprias da arte.
Fernando Andrade: Você acha que o sobrenatural e o fantástico, como o homem que autocombustou até sumir é um elemento forte na nossa visão interior do mundo (real) ou de certa insólita realidade que às vezes ganha muito da ficção? Vide os noticiários.
Adriano B. Espíndola Santos: Creio que, antes, seja interessante falar sobre a construção desse conto. Sempre me intrigou esse fenômeno da autocombustão humana espontânea ou combustão humana continuada, segundo alguns relatos enigmáticos que acompanhei na internet. Não que me fiasse a eles, mas, como algo fantasioso ou sobrenatural, mereciam alguma atenção. Calhou de, no período citado, lembrar do ódio intrínseco dos fascistas; desse desejo por eliminar o outro; e a falta de alteridade, empatia, por exemplo. Foi aí que pensei: que tal produzir a reversão? Pessoalmente, acredito que o pensamento tem força. Essas pessoas têm muita energia negativa represada; de alguma forma vão explodir. Há exageração no conto, decerto; mas imaginei, como você colocou, que a realidade pode ganhar belas imagens na ficção.
Fernando Andrade – Que elementos de uma mitologia narrativa você acha que os narradores (quais que você quiser) hoje precisam para observar-agir o país neste momento?
Adriano B. Espíndola Santos: Acho que a verve narrativa tem de buscar acompanhar a realidade, os eventos sociais, culturais, etc., e o escritor acaba sendo vetor dessas prementes expectativas; ou até mesmo, quiçá, profeta de novas realidades. Ao autor é permitido, pelas deusas, forjar tempo e espaço. Não que seja uma obrigação, pois que, sendo livre, jamais pode ser impelido a escrever segundo uma cartilha. Não há balizas determinadas. Mas pode resgatar alguns olhares embaraçados pelo desamor; permitir-se, por exemplo, entranhar e trazer a lume os males encobertos pela opressão secular. O autor deve entrar e sair sem pedir licença; contudo, a meu ver, tem compromisso inarredável com a dignidade, a liberdade e a justiça.
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