Marcelo Frota|Professor e escritor
Ao ler Flor de Sal da escritora Mell Renault (Editora Penalux, 2020), me senti flutuar, como se estivesse em um pequeno barco a remo, sentindo o sol bater em meu rosto com o frescor da brisa do mar. Percebi que tive com a leitura uma grande experiência não só literária, mas acima de tudo, poética. Tornei-me um desbravador da vida, do mar e mim mesmo. Até cheguei a pensar que tinha me tornado uma criança, aquela que quando pequena, em seus primeiros anos de vida, esta curiosa e que descobrir o mundo a sua volta.
Conforme a leitura de cada poema, assim como uma criança, fui descobrindo sentidos, emoções, sensações. Era como se eu estivesse realmente navegando naquele pequeno barco a remo, sentido a vida pulsar, sentido os altos e baixos, assim como a maré. Mas até que ponto a imensidão do mar azul e a balanço das ondas são capazes de trazer a tona pensamentos e sensações, se transformando quase que um redemoinho e dando liberdade para sermos donos do nosso próprio mundo?
Isso é possível em Flor de Sal (Penalux, 2020), onde a autora trás por meio de sua escrita idílica, sentimentos intangíveis, suprasensoriais, poemas querendo se fazer serem tocados, como se tivessem sendo expostos em belas telas pintadas à mão, que são tangíveis. Mell Renault se faz dona de uma narrativa curta e de natureza descritiva, épica e lírica, trabalhando por meio de metáforas, construindo uma ponte, um elo de ligação entre o imaginário e o real.
A você leitor de Flor de Sal, vai um remo aviso, você vai pular, sem paraquedas a um mar de emoções, de lutas, de conquistas, de sonhos, de perseverança, de superação e acima de tudo, de amor. Sem aviso prévio, você será lançado nas ondas calmas ou revoltas, em suas constantes variações, conforme a leitura de cada poema. Por vezes, vai se encontrar preso em um redemoinho, mas no fim, vai encontrar a calmaria e vai desfrutar um aconchego, um carinho, como se estivesse flutuando no mar, sentindo a água cristalina e sol que aquece e acaricia sua pele.
Eu li Flor de Sal sentado em uma poltrona, perto da janela, com o sol aquecendo meu corpo e uma taça de vinho sobre a mesa ao lado, onde fica meu abajur. Mas a sensação que tive ao adentrar essa obra, é que estava lá no barco a remo em alto mar.
Fiquei com a impressão de estar descobrindo minha identidade, mas percebi que não é só minha identidade, como também a identidade de Mell Renault.
Comecei a desbravar sem querer, assim que li “Estou dentro”, e percebi que a impressão de voltar a ser criança não era só impressão, ao ler “…de uma imensa bolha azul. Útero e túmulo. Aqui a vida começa e termina começa e termina e começa num átimo do instante já. Há repouso e também fúria. O corpo vai respondendo aos chamados conforme o tempo avança. Há uma consciência infinita, um pensamento integrado que vaga e muda conforme as ondas.”.
Senti-me um navegante, quando li “Orla”, pois vi que o mar é carregado de memórias, assim como eu, como você e como a autora, quando se lê “Corpo d’água/ misturado/ a memória/ das ondas/ essa/ minha identidade selvagem/ paisagem de sal/ [margem].”, percebe-se que sua identidade se forma conforme as ondas trazem as memórias e você vai se criando, ou melhor, recriando com a passar dos tempos.
No fim, me senti em casa ao ler “Beira-mar”, que trás em suas palavras um abraço e uma paz, como se estivesse sendo acolhido, quando li “No tempo do mar/ há um silêncio/ de mil âncoras/ afundadas/ e esquecidas./ No tempo do mar/ há um hiato/ de luz/ que assombra/ o escuro./ No tempo do mar/ há o voo/ de mil e uma garças/ que tecem/ o manto estrelado,/ brilho./ No tempo do mar/ há uma secreta/ benção/ que só/ quem dorme/ á sua beira/ sabe.”.
Sou suspeito em dizer, mas no fim das contas, Mell Renault me pareceu pintar uma obra a cada poema, que por meio das palavras tornou seus pensamentos, suas emoções em algo tangível. A autora me pareceu sussurrar palavra ao vento que acabou chegando aos meus ouvidos. E no fim, pude sentir, pude tocar e pude viver o mesmo que ela.
Agora eu convido você, caro leitor, a ter essa mesma experiência que tive.
Convido você a se descobrir em Flor de Sal, a ser assim como eu fui, um desbravador, desvendando sua própria existência, assim como Mell Renault fez com a sua. Para que isso aconteça, convido você leitor, para a leitura desta obra que vai te fazer navegar por pensamentos e mundos distantes e tão vivos, como as ondas do mar.
Marcelo Frota é professor, escritor e poeta. Apaixonado por música, literatura e cinema. É coautor de Compilação Poética das Margens e autor de O Sul de Lugar Nenhum, lançado em 2019 pela Editora Penalux.
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