Poesia na vitrine | por Douglas Oliveira

Douglas Oliveira - Poesia na vitrine | por Douglas Oliveira

Douglas Oliveira – Editor e responsável pela editora Folheando, arquiteto, design gráfico, contista, cronista, poeta  e romancista,  parceiro do Prêmio Literatura & Fechadura desde a sua primeira edição. Foi vencedor, no ano de 2017, do Prêmio da Fundação Cultural do  Estado do Pará, na categoria Romance.

 

 

A atual situação pandêmica em que o mundo se encontra, por circunstância do corona vírus, colocou-nos no centro de um isolamento que vai além do social e econômico, a pandemia mexeu com a psique humana. A situação se agrava a cada subida do gráfico da mortalidade pela doença, a cada embate político pela abertura ou não dos comércios, e pela dúvida: o que será de nós amanhã? O homem pós-moderno, que foi produzido desde os tempos das revoluções industriais, recebe com estranheza a desaceleração dos seus dias e o isolamento do seu convívio social. O homem, a nível Homo, viu-se, enquanto sociedade, evoluir, a partir da eussocialidade, suas relações cívicas. Edward O.Wilson, um dos principais nomes da biologia mundial, em seu livro O sentido da existência humana, levanta uma importante questão sobre nossos conflitos internos e nossa relação com o social. Ora, o objetivo deste texto não é discutir evolução humana, o que proponho ao escrever este artigo é o efeito da pandemia sobre a mente humana, e como a literatura, sobretudo a leitura de poesia, pode diminuir o estresse gerado pelo isolamento social. Um estudo recente feito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro apontou um aumento no problema de saúde mental dos cidadãos brasileiros. A pesquisa usou um questionário on-line durante os meses de março e abril, onde se entrevistou pessoas de vinte e três estados. O levantamento apontou que os casos de depressão quase dobraram nesse período, e que o estresse e ansiedade tiveram um aumento de 80%. Não é novidade que ansiedade, depressão e estresse são doenças causadas pelo ritmo de vida acelerado que levamos. Se a poucos meses éramos uma peça da frenética máquina do sistema moderno, sistema esse que nos coloca num tempo compulsivo, o que somos agora quando as engrenagens desaceleram? O sistema talvez tenha arrefecido, mas as peças, nós, continuamos no ciclo da operação. O que antes era artigo de luxo, o tempo, agora tornou-se anacrônico. Sandra Edler em Tempos compulsivos, afirma: O sujeito e a cultura mantêm entre si permanente interação e, muito rapidamente, aparecem as formas sintomáticas decorrentes das mudanças próprias da época. A pandemia chegou trazendo mudança, rompendo de forma abrupta o ciclo da escassez de tempo.

Quais ferramentas dispomos na vitrine do consumo on-line que nos ajude a lidar com o tempo que agora nos parece infinito, sem enlouquecermos dentro de quatro paredes? Sob qual perspectiva observamos o vazio da rua? A pandemia mostrou-nos solitários mesmo cercados de gente. Chama a atenção o distanciamento de muitos brasileiros com a arte, cabe ressaltar como a ausência do contato do homem com a arte tem influência negativa sobre ver o mundo e entendê-lo, principalmente neste momento delicado de pandemia. Portanto, como, as artes têm sido um fármaco para o alívio do espírito humano nos tempos atuais? A indústria do entretenimento disponibiliza em seus serviços de streaming uma leva de conteúdo para todos os tipos de gosto, o que, de certa forma, tem ajudado a entreter uma parte da população assinante do serviço, contudo, como se sabe, boa parte do povo brasileiro não possui serviço básico de internet, o que dirá assinatura em serviços de streaming. Resta-nos, então, a famigerada programação da TV aberta e alguns acessos às redes sociais? Esta última bem mais atraente aos consumidores de conteúdo instantâneo.

Em tempo de pandemia e isolamento social, encontramos nas artes um modo de suportar a realidade em que estamos inseridos [e confinados]. Séries, filmes, documentários, música e literatura, ajudam-nos a não pirar dentro do nosso objeto-fetiche, o tempo, mais uma vez aqui grafado. Em Poesia para quê? do escritor e crítico literário Carlos Felipe Moisés, há uma frase que nos provoca reflexão: A poesia ensina a ver. Título do primeiro ensaio do livro, o que a poesia nos ensina a ver que os demais gêneros literários possivelmente não ensinariam, uma vez que ambos possuem o princípio da literariedade? Uma dose de Dostoievski pela manhã, nos aliviaria a tensão da incerteza? Dante deixaria-nos confortável com sua separação de império e igreja? Não há dúvida de todas essas leituras são indispensáveis ao conhecimento humano, todavia, o expurgo das tensões do cotidiano, arrisco dizer, está na catarse da poesia. A poesia, que desde os primeiros anos de escola aprendemos a rimar e dedicar aos amiguinhos, a poesia que empregamos nos bilhetes apaixonados da adolescência, e a poesia que inserimos num cartão de dia das mães com um “eu te amo”, vai além do jogo métrico, rítmico e estético. Carlos Felipe Moisés diz: A poesia nos ensina a ver como se víssemos pela primeira vez. A ideia não é o ensinar de forma pedagógica, porém a desconstrução lógica da semântica das coisas e do dia. Manoel de Barros, no poema Livro sobre nada, dá um exemplo claro desse “ver pela primeira vez”: Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

Se observarmos a linha do tempo da história da arte, veremos que não foi raro a presença de artistas e escritores com algum tipo de distúrbio psicológico, o que não os impossibilitou de exercer suas genialidades, tampouco os impediu de aliviar suas dores e inquietações no fazer artístico. A literatura tem como matéria-prima a palavra; Ítalo Calvino nos diz: as palavras, como os cristais, têm faces e eixos de rotação com propriedades diferentes, e a luz refrange diferentemente, conforme a maneira como esses cristais-palavras estão orientados, conforme as lâminas polarizantes são cortadas e sobrepostas. Renarde Freire Nobre, em seu artigo sobre escrita artística do pensamento, pontua: Na poesia, as palavras, tal como um cristal translúcido, estão orientadas de modo a gerar iluminuras e sobreposições imagéticas.

A poesia está guardada nas palavras, escreveu Manoel de Barros, e é nas palavras [poesia] que está o antídoto para a resistência do medo do hoje e da incerteza do amanhã. Ler um poema, seja deitado na cama, ou durante um café, alivia a tensão do espírito, reforça as artérias da esperança e fortalece os ossos do desiludido. A poesia é terapia para nossos dias ansiosos, inquietos e lúgubres. Portanto, bebamos da poesia empregada nas palavras, façamos como Manoel de Barros, pensemos renovar o homem usando borboletas.

 

 

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