Fernando Andrade: Se a poesia tivesse egos ou personas e não um eu lírico, tão entranhado na linguagem de seu autor|ator, poderíamos fazê-la inconfessável? Com todas as diatribes do mundo. Até onde vai o eu do poeta, muito além do seu cunho biográfico? No tocante ao seu livro.
Paulo Laurindo: O poeta vai aonde seu olhar, sua emoção, suas dúvidas, indagações e indignação alcançam. E nesse trajeto, querendo ou não, atinge uma multiplicidade sem deixar de perseguir um estilo que lhe seja próprio e tampouco esconder-se atrás da sintaxe. A coragem poética é justamente encarar a alma, em todos seus ângulos, seus segredos e mistérios, sem qualquer tipo de restrição. E essa labuta é um desbastar-se. O poeta que não estiver disposto a se corroer – mesmo que isto signifique cair na armadilha que o Édipo caiu, jamais conseguirá romper a casca do conformismo e descobrir novas possibilidades de existir sem as amarras dos rótulos, sejam eles de senso comum ou elaborados intelectualmente… Manoel de Barros aí está para nos mostrar que o poeta tem apenas que ser – com toda sua capacidade de retratar, inventar e reinventar a realidade, sem qualquer pudor e muito menos dar trela à bestagem.
Fernando Andrade: Há em seus poemas um desejo de um jogo entres formas, suas regras, ou paredes do ato poético, com a matéria prima ou as formas da ação do que o poeta retira de si com elemento narrativo ao poema. Como é o seu novelo na hora de começar um? E a ideia como ela vai se perdurando durante todo percurso, já que seus poemas são relativamente extensos?
Paulo Laurindo: Começo sempre na página em branco. Enquanto os pensamentos e sensações se sucedem na velocidade da luz, sigo, me situando no campo onde as palavras têm poder mágico, de transformação… Se desejo xingar, procuro xingar com as palavras mais eficazes, as mais bonitas de esculhambar. Porque na vida é difícil responder, de imediato, às humilhações. A poesia ensaia em nós as melhores reações aos tropeços e as bordoadas cotidianas. E daí, as circunstâncias falam por si só… O nexo narrativo é a última etapa, onde o senso crítico, simetria e ritmo, executam seu melhor de olho na experiência e, principalmente, na perspectiva de um mundo melhor.
Fernando Andrade: Lidar com jogos textuais são necessários um fôlego e tanto, citações, referências, precisam ser muito bem costuradas no poema. Com se dá esta costura poética?
Paulo Laurindo: De modo o mais natural possível. No momento na criação não há nenhuma preocupação, por exemplo, com rima e outras questões formais do poema. Falo o que quero no instante que sentir vontade e permito que a emoção flua naturalmente. Adiante, é inevitável que a razão objetiva cumpra sua parte. Por fim (a etapa menos dolorosa e mais divertida do poema), sinto o ritmo das palavras, o balanço – quase música – que as frases inspiram e sugerem sem contrariar o sentimento que desencadeou todo o processo.
Fernando Andrade: A página em branco não seria um tablado onde a cortina ainda não se abriu, e o ator ali mentaliza o texto para o jogo teatral, como o poeta faz seu ensaio, então?
Paulo Laurindo: O poeta é um ser sempre em ensaio. Ao contrário do ator, o poeta jamais estreia. Todo poema é um instante que dura, perdura, no tempo. Por isso, um poeta jamais prova sua tese, afinal ela está sempre em desenvolvimento. O poema é uma vivência que se renova, se altera, se transforma a cada dia, a cada instante. Fernando Pessoa disse que o poeta é um fingidor – cara, quanta desconfiança do si! Prefiro dizer que o poeta apenas caminha e sabe que não existe esse negócio de fim, porque a tragédia poética reside no ponto final. Óbvio que a poesia impõe limites: qual poeta não se exaure, não sente que não há mais nada a dizer? Felizmente, a poesia, por sua graça, propicia renascer, cambiar, colocar-se no lugar do outro, gerar o reconhecimento dos tantos além-eus… O poeta, mesmo quando suicida, o faz desejando estar no mais sublime dos mundos: no lugar onde as palavras surtem efeitos e tudo, mas tudo mesmo, faz todo sentido.
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