Fernando Andrade: Teus poemas parecem fazer uma ode à fase do existir sobre o efeito da angústia, que pode ser criativa, dela dizem sair os melhores textos, sob o efeito da narcótica dor-existencial. Que não parece placebo com relação à criação. Como foi produzir sob o efeito si(a)nestésico da insônia?
Sérgio Aral: Desde a primeira versão em 2017, a intenção foi abordar temas como amor, família, saudade, silêncio e a passagem do tempo. Mas executar qualquer atividade à noite pode favorecer a perda de sono, e como escrevia à noite, isso refletia nos poemas como se fosse um conflito, uma briguinha mal resolvida. Até que percebi que a minha encrenca com o sono não era inimiga. Mudei o tom, e perguntei: Ela está contra ou a meu favor? Não tenho uma resposta pronta ainda, mas Insônia Amorosa é um título e uma trégua.
Fernando Andrade: Se o real pode parecer às vezes um estado alterado da percepção. O sono ou a falta dele, tende a cinetizar uma espécie de fábula dos esconderijos da mente, situações que dão medo ( sonhos) recolhimento da coragem e audácia, ou seu contrário. Mas do ponto de vista de um poema, há um fio desencapado prestes a faiscar em criatividade-ação. Como foi dar a este fio, uma unidade bacana ao seu livro?
Sérgio Aral: Acho que participar de uma oficina literária pode ajudar bastante quem tem dificuldade de engrenar a escrita. No meu caso, alguns textos que fiz durante a Escrita Curativa de Geruza Zelnys se tornaram poemas. Dessa experiência também que me ocorreu a ideia da internação que está no poema Gnóstico. Uma internação “em si (ou em alguma instituição ignota)”, como disse o escritor Luiz Roberto Guedes na apresentação do livro, para curar sabe-se lá o quê.
Definir um cenário foi como usar uma receita de diferentes ingredientes para fazer um bolo confeitado. A escolha da “clínica” sugere a procura da solução e há uma pressão para o desfecho porque a locomoção fica restrita a um espaço menor. E com o espaço menor as angústias e as alegrias tendem a se chocar e a se entrelaçar e a se apartar mais vezes, e um elemento de um poema acabou ressurgindo no decorrer das páginas, o que acho que ofereceu uma involuntária (ou proposital) coesão.
Fernando Andrade: Há certa mordacidade num tom lírico, como se o humor torneasse o sentido do poema, para algo mais além de sua expressão apenas poética. Como foi lapidar esta verve ora irônica, ora satírica nos seus poemas?
Sérgio Aral: “Quem escreve tem a necessidade de ser lido.” E como é bom ter um retorno de leitura. O Daniel Zanella, por exemplo, que fez a primeira leitura quando o livro ainda tinha outro título, apontou diversos aspectos que despertaram a minha atenção. A Otacília Sales me fez enxergar certas delicadezas e segurou a minha mão na preparação e revisão. E agora essa sua percepção! Confesso que em alguns poemas depositei uma gota de ironia. Mas não foi intencional se passou disso. Então, eu respondo: Que boa surpresa a sua pergunta!
Fernando Andrade: Você diria que um estilo possível para seu livro seria um surrealismo através de imagens de uma câmera muito interior; uma espécie de cine-olho, onde as projeções se dão tanto pela linguagem (visual) como por seus símbolos?
Sérgio Aral: No meu livro de poesia anterior, o qual os versos fiz questão que fossem curtos, tem um trecho assim: “As lacunas são retocadas/ com metodologia antiga/ imaginação”. Pois no Insônia Amorosa eu quis exatamente preencher as lacunas e não me importei com o tamanho dos versos. Contei histórias, com fatos ou fantasiando, tentei falar de amor, de família, do tempo e da “criadora de rumos”, em uma escrita mais desinibida que no livro anterior. E não restringi as possibilidades de criação. Acredito que por esses motivos Insônia Amorosa tenha proporcionado momentos próximos do surreal, como no poema “E acenou antes de fechar a porta”, que encerra o livro.
Be the first to comment