Notas oníricas
a
o que não é sonho não existe
pedalo em pedaços a bicicleta enferrujada de lágrimas
as estradas estão tortas de tédio e saudade
um peixe transa em pleno horário de pico
passeio pelo pilar das palavras
o que não sonho eu não sinto e não digo
b
agora estávamos eu & você
ensaiando as nuances dos girassóis
no espaço soava uma velha canção & nós tínhamos dedos
enormes & comíamos
o amor & a morte
na mesma concha de mão
estávamos talhados completos inteiros porém éramos mudos
como um pacote de plumas e queríamos porque queríamos
agora acolher alguma linguagem
engolimos lugares grandes & guetos abandonados
aos ratos noturnos a tristeza azul da ferrugem
dos pardais parecemos uma cidade eu & você
pés pelados sobre as lâminas contaminadas da lua
agora ensaiando os dardos dos faróis
c
cavalos tentáculos tempestade torrencial
uma vala aberta para a vida que não me resta
carneiros mesa trabalho meu corpo que cai do oitavo andar
comunicação carcomida cupins carnívoros veículos capotam
em minha testa torres subterrâneas atravessam o tártaro
a solidão a respiração remota a morte a um passo do pássaro
o vale invalidado tontura saudade dentes descolados
mordida com a carne da gengiva um boneco de vento
abre os braços para o nada o meu canto chacoalha e cai
João Pedro Liossi (1996) mora no interior de São Paulo, em São José do
Rio Preto. Estuda Letras na UNESP, é músico e poeta. Em 2015, publicou
um fanzine de haicais, além de poemas em diversas revistas literárias.
Aquilo que chamávamos de escuro, seu primeiro livro, acaba de sair pela
Editora Urutau.
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