Três poemas de André Luís Câmara

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O poeta carioca André Luís Câmara nasceu em 1965. Jornalista, exerce há mais de 30 anos atividades em comunicação empresarial e assessoria de imprensa. É mestre e doutor em Letras pela PUC-Rio, defendeu dissertação sobre o modernista Mário de Andrade e tese que analisa a obra do compositor Marino Pinto, ambas sob orientação de Júlio Diniz. Em 2018, publicou seu primeiro livro de poemas, Rua sem saída, pela Editora Patuá. No início de 2020, integrou a Antologia Ruínas, lançada pela mesma editora. Alguns de seus versos foram divulgados nas revistas digitais Ruído Manifesto, Mallarmargens e InComunidade, esta última editada em Portugal. Mantém no YouTube o canal André Luís Câmara, com leitura de seus poemas. Recentemente, criou o podcast Diz um verso , hospedado na Anchor e disponível no Spotify, Radio Public, Apple Podcasts e outras plataformas digitais. Lança agora, pela Editora Patuá, seu segundo livro, Desgaste, do qual publicamos três poemas aqui. O livro pode ser encontrado no site da Editora Patuá: https://www.editorapatua.com.br/

 

 

Cacaso *

ah, Cacaso,
um arraso
sem acaso
nem descaso,
não tem prazo.

eu já vazo
com atraso
nesse ocaso:
extravaso.
quebro um vaso,
tudo é raso,
fim de caso.
xi, me arraso.

sai, parnaso.

me comprazo
quando caso
melodia
à poesia.
me Cacaso
dia a dia.

* Poema musicado por Leonardo Almeida Filho

 

 

Em pé com temas da poesia

Em uma mão seguro um Herberto Helder
que tencionava ler nesse vagão,
mas é um metrô lotado, em que me apertam,
embora aquela moça esteja bem
a ler em pé, atenta, o que ela lê
não sei, mas dá pra ver que ela aprecia,
se envolve com literatura mesmo em metrô,
eu ia observar certo desânimo
nesses rostos cansados, desalento
é o que mais há nos dias que vivemos,
mas olho a moça, lê com entusiasmo,
penso em abrir meu livro, está apertado
aqui, mas quando procuro insistir, eis
que alguém inicia a tocar no
ukulele a música que não
contagia ninguém e muito menos
a tal moça que lê, em pé, e tão atenta,
mas a música até me é agradável,
só não tenho dinheiro pra dar ao
artista, afinal poucos tostões restam
no bolso pra um pedaço só de pizza
que costumo comer às quartas quando
vou pegar entrevistas pra editar,
a revista me paga quase nada
mas dá pra esse pedaço só de pizza,
às vezes como dois, balcão em pé,
talvez amanhã, sim, eu me dedique
à poesia e seus grandes temas, ah!
pode ser que os alcance ainda, mas
falta capacidade ou a nobreza
ou apenas esforço de talento,
aquela moça lê em pé no metrô,
é, eu sei, há quem leia em suburbanos
trens, vejo a travesti, o advogado,
o policial pede ketchup,
a taxista diz que quer parar
de fumar, um riso do apontador
de bicho rasga a noitinha na rua,
Herberto Helder ainda me acompanha,
eu traço meu pedaço dessa pizza
cotidiana, urbana, inigualável.

 

 

Quarentena

Quase nunca assisto à TV,
até pensei que hoje iria,
seria bom, quem sabe, um filme,
daí que, com um livro à mão,
desviei sem querer os olhos,
andorinhas em bando sobre
a árvore da casa vizinha
onde micos vão galho em galho,
piano na sala, esqueci
por muitos minutos, talvez:
milhões de pessoas sem vez
sem casa nessa quarentena,
a gente se apega a um doce,
uma notícia, palavra
cruzada assim essas tolices
que no silêncio se inventa,
nunca se disse tanto: cuide-se,
plano esquecido na gaveta,
diversões de uma lembrança,
jogar i ching, jogar runas,
que tempos de tristeza imensa.

 

 

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