A serenidade do zero: Livro de poemas de Alexandra Vieira de Almeida, por Raquel Naveira

 

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A serenidade do zero, 2017, Alexandra Vieira de Almeida, Penalux

 

 

 

Enquanto objeto, A Serenidade do Zero, da poeta, professora e crítica literária, Alexandra Vieira de Almeida, editora Penalux, é um livro lindo. Capa dura de um céu azul lírico, lombada cor de rosa, refletindo a pureza do infinito. Quando o abrimos, somos convidados a nos libertar “da luz do estado de vigília e da mente daqueles sonhos”, conforme ensinamento Dos Upahishads-Rig Veda; alertados de que “a consciência é uma garrafa vazia num oceano de afetos em maremoto”, como escreveu o filósofo Nietzsche.
O prefaciador, o professor de Literatura, Marcos Pasche, explica que em nossa cultura, o zero é símbolo da insuficiência e nulidade; que a nota zero é um frequente pesadelo dos estudantes; que a expressão “zero à esquerda” enche a boca de quem deseja desqualificar a outrem. A poesia, no entanto, é fenômeno de revelação e ressignificação. A autora traz uma concepção original do número. Não é o único assunto dos trinta e nove poemas que compõem o livro, mas é a ideia estrutural, o eixo do conjunto. “Do zero proveio a multiplicidade dos outros números”, diz o poema que dá nome à obra.
Os números, que aparentemente servem apenas para contar, fornecem uma base de escolha para as elaborações simbólicas. Exprimem ideias e forças, têm personalidade própria, relações com o Princípio Uno. O zero é o vazio, a concha, o feto. Sem valor por si mesmo ocupa o lugar dos valores ausentes, os intervalos, as pausas que multiplicam ou anulam.
Em uma recente entrevista dada a uma Rádio, Alexandra confessou ter sido influenciada, entre outras referências, pelo Livro sobre Nada, do poeta Manoel de Barros. Palavras e expressões como “nada”, “vazio”, ”segredo”, “casulo”, “letra morta”, “preces sem um único som”, “silêncio-relicário”, “silêncios meticulosos”, “deserto”, “orgasmo do esvaziamento”, “nirvana de um gozo etéreo e pleno de desfolhagens”, “despir é silenciar a mente”, “natação do silêncio”, “rosto do abismo”, “iniciados do vasto”, “anticor”, “pó de estrelas”, “placidez perpétua”, “mar transparente”, “vazio inaugural”, “árvore de esqueletos”, “utensílios ocos” povoam o livro e dã
o clima dessa busca alva e seca da serenidade do zero.
A poeta afirma que, na consciência de sua limitação e finitude, “busca o olho que nada vê”, como se, a partir daí, pudesse ver o paraíso. Ela é a “pagã zero” que ama a solidão das ilhas desertas, o sereno sossego de quem reconhece o humano em si como traço do divino.
Solitária e solidária, amiga dos amigos, com quem conversa constantemente através de mensagens e textos, Alexandra dedica vários poemas a outros poetas capazes de decifrá-los como Igor Fagundes, Olga Savary, Luiz Otávio Oliani. Que alegria um poema dedicado a mim, o “Alfabeto Transcendental”!Diz assim: “A comunhão dos signos/ se faz pela hóstia do silêncio/ Que traduz o que a boca não vê/ Transcendência de nomes/ No papel mágico da vida.” Amei. Acredito nas letras do alfabeto como constelações, firmamentos, galáxias de Gutenberg, correntes elétricas, forças mágicas que regem o mundo e transformam criaturas em criadores.
Outro detalhe: à maneira da prosa de Saramago, Alexandra não pontua seus versos. A disposição perfeita das letras maiúsculas e minúsculas provoca o ritmo fluente do pensamento que se abre e se fecha sucessivamente em ondas extensas.
Que bela é uma alma que procurou no caracol do zero, no ovo cósmico, “o grau zero da serenidade/ o divino em pleno despertar!”

 

 

 

RAQUEL NAVEIRA é escritora, professora universitária, crítica literária, Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, autora de vários livros de poemas, ensaios, romance e infanto-juvenis. Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (onde exerce atualmente o cargo de vice-presidente) , à Academia Cristã de Letras de São Paulo e ao PEN Clube do Brasil.

 

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