FERNANDO – Poderíamos dizer que o conto e a velhice têm algo em comum? Seus períodos são breves e intensos marcados por fins temporais que desfecham rápido. Com foi escrever sobre o tema neste contenção de forma?
ATHOS RONALDO – Não saberia dizer se o conto e a velhice têm algo em comum, mas escrever ficção sobre a velhice é fundamental que o escritor esteja na plenitude da vida. O olhar amadurecido encerra situações e conteúdo de forma transcendental. Algo que não se explica, mas sentimos no correr das frases, parágrafos e no resultado. Um dado é certo e incontestável: só atingiremos esta completude com a passagem dos anos. Aliás, é algo que estaremos sempre a perseguir. Nunca estaremos completos, tanto no enfrentamento da vida como na composição de páginas após páginas.
A semelhança é que os contos são breves e enxutos e o que nos resta também está na brevidade do tempo. Mas, em compensação, os velhos não têm pressa. Então, nestes o desenrolar da trama pode ser um pouco mais demorada, contando com o silêncio das horas.
Em “Trilha sonora”, por exemplo, um velho matador de aluguel abrevia as horas das vítimas. O tempo é escasso para quem parte ao som de David Bowie.
Em “Velho poeta” está contido o respeito aos que persistem e há uma aspiração camuflada de vencer o tempo, mas esta luta é inglória.
FERNANDO – Como foi pensar cada enredo que são vários e com muitas facetas narrativas interessantes, para ter uma ação dramática que revele, mas ao mesmo tempo, matize as entrelinhas do texto?
ATHOS RONALDO – Este livro faz parte da “Trilogia dos metais” o primeiro foi “Contos de Chumbo” e devo encerrar, provavelmente, com o “Contos de Ferro”. Ainda estou em processo de criação com alguma coisa escrita. Devo acrescentar a palavra branco. Então, será “Contos de ferro branco”. Escrevi a palavra provavelmente, porque tenho a possibilidade de escrever “Contos de ouro” para fechar a trilogia.
Boa parte dos contos deste “Contos de prata” foram escritos nos últimos três anos. E alguns deles poderiam estar em qualquer uma das coletâneas. Porque em todos os volumes existe tramas que fazem menção à ditadura, todos têm personagens velhos e em vários está presente o ferro branco: faca.
Por exemplo, em “Olhos de mel” elaborei as personalidades das personagens lembradas pelo velho muito antes de começar a escrever. Pois ali também estava demarcada a passagem dos anos: personagem adolescente, jovem e adulto.
Neste conto o tema central é espera. E são vários os tipos de espera e, no caso do personagem, a espera estava sempre condicionada com a paixão. Um amor platônico. Os velhos estão numa eterna espera, inclusive pela morte.
FERNANDO – O amor é um tema que às vezes é abordado na velhice. Mas muitas vezes com certa comiseração. Como é para você o sentimento quando expresso em palavras, gestos e cultura?
ATHOS RONALDO – São várias as expressões de amor. Em muitos casos percebido em um olhar, numa paixão não correspondida, num sentimento incapaz de ser exteriorizado ou uma simples atitude do cotidiano. Nesse desenrolar dos fatos passam os anos, primeiramente num andar lento. E posteriormente num galope.
Em outras situações salienta-se a relação amor e ódio. Também presente nos textos. E na falta de expressão em palavras ou ações, são envoltos de silêncios.
Na velhice o amor está maduro, mas vem carregado de passado. E, então, invoca-se a plenitude, renova-se o amor ou entramos numa roda de fúria e zanga.
Em “Um tango para suavizar a noite” está presente o amor em estado puro. Talvez ingênuo… a música tem essa capacidade de transbordar o carinho e a estima, inclusive para um desajeitado pós-doutorando em física quântica.
FERNANDO – O Sul é muito bem matizado por você em contos que não só revelam a cultura mas também todo um aparato linguístico. Como foi desenvolver esta arqueologia gaúcha nos enredos?
ATHOS RONALDO – Devo dizer que sou nascido nas Missões, mas tenho raízes bem mais profundas no pampa. Por parte de mãe tenho uns antepassados oriundos do Uruguai – Bella Unión –, então sou um gaúcho e um gaucho. Geograficamente tenho esta identidade pampeana. E a minha formação cultural também é forjada nestas plagas e não poderia ser diferente. Evidentemente, devemos agregar o componente literário com leituras de autores rio-grandenses, uruguaios e argentinos. Aliás, minhas leituras prediletas. Parodiando Liev Tolstói: para sermos universal temos que escrever sobre a nossa aldeia e ler os escritores da nossa aldeia.
As expressões de caráter regionalista acontecem naturalmente. Inclusive posso antecipar que está no meu horizonte literário um livro de contos rio-grandenses com abordagens urbanas e rurais e históricas e contemporâneas. Penso que em “O velho” e “Bodas de ouro” estejam mais salientes a abordagem sulista no que tange a cultura e a história. Mas sem perder o caráter universal. Salve Tolstói!
Por fim, não há necessidade de grande esforço neste sentido. A geografia e cultura do sul, ajudam um bocado.
FERNANDO – A solidão na terceira idade é um tema recorrente no livro. Como foi matizá-la dentro de personagens tão diferentes e expressivos na tangência humana do convívio com os outros?
ATHOS RONALDO – A solidão é sinônimo de velhice. Mas a solidão também não quer dizer, necessariamente, tristeza. Embora se enquadre neste enfoque nas mais variadas situações.
Por vezes estamos sós em meio à multidão. Em outras oportunidades, embora acompanhados de alguns amigos continuamos sós.
Em outras situações estamos na companhia de um livro, de uma taça de vinho ou de uma cuia de chimarrão e estamos muito bem. Aí a solidão nos proporciona reflexões. Tornamo-nos mais intimistas e isso é importante. São nestas ocasiões que os personagens e enredos nos batem à porta… e dizem “buenos dias”.
Dentre os contos os mais carregados de solidão e saudade saliento “O pescador e o rio” e “O mar e o vento”. Este narrado em primeira pessoa tem um profundo caráter intimista e reflexivo sobre nossas atitudes e a repercussão lá no futuro. É importante na velhice não sermos acometidos pelo sentimento de arrependimento. Mas é uma situação imprevisível. O Narrador do conto que o diga.
Mas nos demais contos em que está sendo abordada a solidão é uma boa companhia para os personagens. Em “Com paixões demais pra um” o personagem curte sua solidão saboreando cervejas artesanais. E convive bem com esse estado de espírito. E é um eterno apaixonado.
Em “O quinto cardeal” a solidão está no cerne do conto. Mas não é o “ator” principal. Aí um inesperado acerto de contas com o passado. Esse é um conto que poderia estar em “Contos de chumbo”.
O fato é que em algum momento de nossas vidas nos encontraremos sós e caberá a nós mesmos estarmos preparados para lidar com esse período. Há de ter muita plenitude e serenidade.
Athos Ronaldo! Esta entrevista me fez te conhecer mais. Quem diria que aquele funcionário da Caixa que pegava o caminho da Guilherme Fabrin para tomar o ónibus até o centro, era a promessa de tudo isso que revelaste. Fui Bancária por 5 anos e acredito que essa profissáo náo impede que alguém tenha SONHOS e planeje outros caminhos. PARABÉNS. Orgulho de ser tua colega da ASL. Abraço.
Excelente entrevista que revela o talento e a sensibilidade de um escritor maduro e conhecedor do seu microsmo sem descurar das questões humanas e ficcionais. Também tenho orgulho de privar do companheirismo desse parceiro literário.
Olá Celina.
Muito grato pelo teu comentário.
Foi uma das mais inteligentes entrevistas que participei.
E ficou uma prova: o tempo passa e nos modifica. Abração.
Grato pelo comentário Zé.
E vamos “tocando em frente” nesta jornada pela vida. Abração.