F.A.: A relação entre lugar e pergaminho, entre livro físico e imaginação parecem ter um espaço mágico em seus contos. Os objetos não são apenas: uso, como bibliotecas, e sim interfaces de mundos ou universos paralelos movidos pela intrigante imaginação literária. Como foi juntar estes alicerces \ mundos?
D. G.: Eu gosto de lidar com símbolos, com intertextualidade. Meus contos têm muitas referências escondidas. Um exemplo é o conto A biblioteca oculta. Certa altura da narrativa há uma frase em latim de um poema de Horácio: “non omnis moriar”.
Significa “não morrerei inteiramente”. É uma forma que eu tenho de complementar o sentido, adicionando pequenos elementos que farão parte da composição simbólica da narrativa. Neste caso, a biblioteca não é apenas uma biblioteca, mas um lugar misterioso, uma metáfora para a vida. Com a pena de escrever, em O peso da pena, é a mesma coisa. O ato de escrever pode parecer fácil à primeira vista, mas se revela um desafio enorme à medida que se avança e o peso de um objeto frágil como a pena foi o símbolo que achei falar sobre isso.
F.A.: Há uma relação interessante com Portugal, principalmente seus fantasmas que parecem sussurrar desejos nos ouvidos dos seus personagens. Como foi ter Portugal com arquétipo literário para seu livro?
D. G.: Bem, eu morei dois anos em Portugal e todo o tempo que estive lá só pensava em viajar e escrever. Foi lá, entre a leitura de grandes contistas e teoria do conto, que escrevi meu livro. Contei com muitas experiências, conheci pessoas que nem sabem o quanto foram importantes para mim, visitei lugares mitológicos e também tive ajuda de pessoas muito especiais. Sem Portugal, não haveria Dantas Guerra, nem Fronteira Eterna.
F.A.: Há um interessante movimento do cinema, principalmente, o de aventura que não é um mover da ação em curso, mas sim, um movimento (intelectual) de produzir perguntas sobre o drama, existência, e desejo. Fale disso.
D. G.: Você pega, por exemplo, a trilogia das cores, de Krzysztof Kieślowski. Mais especificamente o primeiro filme, Trois couleurs: Bleu (A liberdade é azul, 1993). O drama humano é representado de forma séria, profunda e realista. Adicione-se a isso uma estética visual e sonora avassaladora, um roteiro muito bem construído, o trabalho cuidadoso com a cor azul. Isso vai além de questionar a existência. Transcende o drama humano e o eleva a um patamar de contemplação que até mesmo quem nunca sentiu a dor da perda de um ente querido, comove-se com a dor da personagem. É a luta da ficção contra uma realidade que parece se impor de forma terrível sobre nós. Esse filme tem uma das cenas mais impressionantes que já vi no cinema. Quando Juliette Binoche, que interpreta Julie, passa os dedos na partitura da música composta pelo falecido marido e isso invoca as notas, a melodia da música. É simplesmente fantástico.
Eu poderia falar sobre cinemas por horas. É difícil deixar de fora desse tema diretores como Bergman, Tarkovski, Herzog, até mesmo Woody Allen, para citar um mais popular. Mas a vida é feita de escolhas e, hoje, acabei por escolher o polonês.
F.A.: Os temas e motes do livro são muito diferentes entre si. Mas há uma certa coerência muito feita através da linguagem poética que adensa a humanidade dos personagens. Como foi trabalhar a linguagem para que o livro tivesse esta unidade estilística?
D. G.: Por se tratar do meu primeiro livro, isto é, de um primeiro grande esforço em direção à literatura, a linguagem foi certamente o maior desafio. Eu não queria que os contos se parecessem entre si e isso me forçou a mudar, reescrever. E também foi a forma que achei para exercitar a linguagem e a imaginação. Quando eu estava
escrevendo o livro, gostava de pensar como se ele fosse uma espécie camaleão que podia mudar as cores livremente dependendo do conto em que eu estava trabalhando.
Por isso o livro tem uma junção de estilos que perpassam pela influência de vários autores do gênero. A única unidade que existe em Fronteira Eterna é a simbólica.
Todos os contos, de um jeito ou de outro, tocam no tema da morte. E isso, por incrível que pareça, não foi feito de forma intencional.
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