por Fernando Andrade | escritor e jornalista
A expressão fazer cinema (making movies) sempre me fascinou. Pois ela concentra um verbo de ação perto de um exercício cinematográfico. Corpo em movimento, cinéticas em voo. Movies em inglês é muito próximo ( som) de mover, o verbo que dá sentido de deslocamentos de um corpo, mas também, de uma mensagem, ou até de um poema que apesar de preso na página, se move dentro da interpretação do seu leitor. A página de um livro também se prenderia a este making movies ou mover os sentidos que bailam dentro do corpo do poema.
Este estímulo visual dentro da própria criação estética deixa espaços tão físicos quanto imaginários na decifração dos signos poéticos, e parece ser o chão da poeta Solange Padilha, no seu novo livro de poemas, Sobre aquilo que não cessa, editora Patuá. Vamos usar imagens que criam certa confusão, mas para depois, tentar aproximar os contextos que são a rasura e o vazio do poema. O bêbado e o equilibrista do João Bosco, caminha na corda bamba do verso. O poeta está por um fio, em sua navalha da carne, ele não sabe se cortar o barbante que liga o poema ao real mais fixo, ou se deixa o espaço da página ser tal precipício de uma vertigem do ser- personagem-poema.
Solange constrói seus versos e também palavras numa certa pipa poética que transborda pelo ar num fluxo de movimento circulante e circundante. O leitor precisa andar e não ficar parado na leitura de um só seu poema. É a visão do cineasta que olha não o foco ou núcleo onde gravitam as ideias, mas sim, o envolto a mancha azul do céu, a formação esotérica das nuvens. Com uma habilidade tremenda para costurar palavras sonoras que grudam uma às outras como favo de uma colmeia.
Seu leitor se move pelo seu livro naquele processo de captura aqui tanto de um flash, como de uma rede de pesca. Desenhar temas, conceitos, e unidades, num só livro não é exercício fácil para domadores de sonhos onde o tecido poético sempre aflora por sob a pele de uma erupção ou uma ferida não doente, mas sim, seu corte ou elipse do subtexto.
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Excelente
Esse diálogo de Fernando Andrade com os poemas de sobre-aquilo repercutiram o rumor das placas tectônicas das palavras que em mim se moveram e se juntaram no que penso ser a leitura ressonante do livro.