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por Marcelo Frota | escritor e poeta
A primeira palavra que vem ao ler Descanso (Ed. Penalux, 2020) é estranhamento. Uma distopia escrita em terras brasileiras é algo raro. No entanto, em seguida o estranhamento é substituído por curiosidade e, em seguida, por reflexão. Pensar a morte, a colocar na balança e por fim, decidir quem permanece e quem parte é o fio condutor do primeiro livro da curitibana radicada em São Paulo, Rafaela Riera.
A palavra distopia leva a reflexão literária e traz à lembrança clássicos do gênero como 1984, de George Orwell, Laranja Mecânica, de Anthony Burgess e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Livros que moldaram tanto a literatura de ficção cientifica, quanto o imaginário dos leitores durante décadas. Distopia também traz à lembrança obras relativamente novas, como Jogos Vorazes e, passando da literatura para a televisão, a série Black Mirror, um marco em narrativas distópicas.
Descanso traz consigo essa “bagagem” história e a honra com louvor. Em um Brasil paralelo, é concedido aos idosos a possibilidade de morrer com dignidade, ou seja, o cidadão da terceira idade tem a opção de escolher a hora de partir. O benefício, oferecido pelo governo, é denominado como Descanso, e permite aos selecionados optar pelo suicídio assistido.
A possibilidade de partir, no entanto, não está disponível para todos. Aqueles que optam pelo suicídio assistido precisam passar por três impedimentos, ou seja, não ter dívidas, doenças que afetam o julgamento ou mortes recentes na família. O privilegio de morrer não é para todos, e esse impedimento é o que faz de Descanso um livro tão impactante.
No decorrer da trama, maior que a oportunidade da partida, é a reflexão. É disso que as grandes distopias são feitas, de reflexões, e, em Descanso, esse pensar nos é trazido através das histórias criadas por Rafaela Riera, que abordam a falta de respeito com os idosos, como a passagem do tempo é cruel e implacável, ou como filhos, muitas vezes, esquecem de valorizar os pais.
As histórias criadas pela autora, trazem a lembrança algo vivido, do cotidiano, um sentimento que nos é caro, como a história de Seu Ayrton, no capitulo intitulado Maria Augusta Molina, que conta a história de um homem saudável que decide partir, mesmo com as suplicas da filha para que o mesmo desista do procedimento.
Questionei-me a respeito de quantas pessoas saudáveis escolheriam partir e acredito, que esse é o objetivo da autora, o questionamento.
Inseri-me na trama, o que é raro, pois eu, como cidadão escolheria partir, de forma digna, em meu próprio tempo. Sempre desejei essa escolha, e confesso agora, que talvez o mais difícil seria escolher a hora de partir. Possivelmente seria, devido a alguma doença degenerativa ou alguma outra enfermidade incurável. Aqui, mais uma vez entrou o questionamento. E a resposta, nunca é simples, quando envolve vida ou morte.
Descanso, a meu ver, tem a possibilidade de alçar altos voos em premiações literárias e outras mídias. Uma adaptação para o cinema, ou uma série de televisão no formato de Bom dia, Verônica trariam uma nova dimensão a obra. A imagem, como aliada da imaginação e do questionamento.
Questionamento, mais uma vez ressalto, é a palavra chave que norteia Descanso.
Aguardo ansiosamente pelo próximo livro de Rafaela Riera. Aguardo-o, com imenso entusiasmo.
Tô aqui quase morrendo de inveja desta baita sacada da menina… parabéns à autora e à editora….