por Marcelo Frota | escritor e poeta
A inconstante órbita dos extremos, de Bioque Mesito (Ed. Penalux, 2021) é uma obra de imagens oníricas, e ainda assim, próximas a realidade dos dias que constroem o cotidiano. A nova edição que chega ao mercado em março, celebra os vinte anos do lançamento da primeira edição do livro em 2000, que na época foi premiado como obra vencedora do IV Festival Universitário de Literatura.
Embora a poesia contida na obra date de 20 anos no passado, os versos compostos por Bioque Mesito permanecem atuais. A atemporalidade na literatura somente é alcançada pelos grandes escritores e Mesito é um deles.
Percebe-se a inquietação e a critica ao estado das coisas em Instalação Orbital para Stanley Kubrick: “é necessário correr tomar pílulas para emagrecer/ e sonhar que a razão da vida/ um dia encontraremos/ é necessário comer o pão/ que deus não abençoou”.
A alusão a Kubrick se faz comparativo para o futuro retratado pelo Mestre em 1968 com seu 2001: Uma odisseia no espaço e com o futuro que realmente se apresentou em 2000/2001. Se o futuro de Kubrick era hermético, limpo, organizado e aparentemente sem problemas, o ano 2000 retratado por Mesito se mostra falho, cheio de dúvidas e inseguranças, e tão mundano quanto em 1968, 2000 ou 2021.
As mesmas inseguranças com o corpo (peso), o mesmo sonhar (razão ou razões para viver), o mesmo pão (que o Diabo amassou/Deus não abençoou). O comer o pão que o Diabo amassou é tão verdadeiro hoje quanto na época em que o livro foi escrito. Nem Mesito, nem ninguém, acredito eu, imaginava o quanto esse pão seria duro e amargo em 2021. Estamos a comer o pão que o Fascista Genocida amassa todos os dias no Planalto Central. Um pão servido com o cheiro da Morte.
Em Metamorfose Poética, a necessidade de expressar-se em palavras, versos e melodias: “há de se escrever/versos de ventre/vinculá-los ao silêncio/silenciá-los/ao vínculo”. Este pequeno e singelo poema se faz grande por dar voz ao desejo de se expressar, a necessidade que o poeta, o escritor, o dramaturgo, o jornalista tem em seu interior de retratar seu tempo, de ser observador crítico, autor dos textos, das palavras que serão o retrato desse tempo daqui alguns anos, ou muitas décadas.
O compromisso do escritor é retratar seu tempo, na beleza e no horror, na alegria e na desgraça. Metamorfose Poética nos incita a escrever, a internalizar para externalizar, a entender para explicar, a ser o autor da realidade a nosso redor. O poema é uma demonstração da força poética de Bioque Mesito, que em poucas linhas, é capaz de instigar gigantesco questionamento.
A leitura de A inconstante órbita dos extremos nos leva a essa reflexão, sobre a continuidade do que nos é familiar, a possibilidade de questionar o que está a nosso redor e o ímpeto de buscar transcender essa realidade, embora, desvencilhar-se do que é comum a sociedade, seja algo quase impossível, seja uma quebra de paradigma, algo mais relacionado a postura do que a possibilidade.
Se desvencilhar-se é quase impossível, questionar é viver a margem, é buscar, é se expressar com coragem e ir para o norte, enquanto a manada, o gado, os cegos, vão para o sul.
São as possibilidades de questionar e transcender o meio que fazer de A inconstante órbita dos extremos leitura obrigatória.
Orgulho por fazer parte da estrada desse poeta e ter visto esse livro nascer, ainda lá pelo anos 1990, Bioque Mesito já sendo o poeta extraordinário que ele é hoje, mas sempe numa escalada crescente. Parabéns por esse livro tão bom e tão atual, bem como ao Marcelo Frota pela certeira abordagem.