Fernando Andrade – jornalista, escritor e crítico de literatura
Nosso corpo emite sinais como fome, sono, fadiga. São sinais sem palavras, através de sensações que se interpretam pelo raciocínio de que na hora do almoço, o estômago ronca. Lá pela meia noite, o corpo relaxa-se para ir dormir. Mas eu poderia dizer, aqui, que estes estímulos podem ser algum tipo de poesia, onde há uma relação entre algo que é um estímulo para sua resposta, que é o ato de comer. A poesia também se conecta por estímulos só que estéticos – uma sensação, uma busca, puxa ou atrela uma saída pela linguagem. Quando se puxa o fio da imagem de um poema, ele vem quase inteiro na sua mão?
Pensando nesta relação entre corpo que também é linguagem corporal, e o poema uma linguagem escrita, fonética, começo por entender o fio poético pelo qual Rafael Oliveira deslinda seu belo livro O avesso Abstrato das coisas, pela editora Penalux.
O poeta deixa espaços para um estímulo dado pela doença que sempre começa um poema para abrir espaços sugestivos e subjetivos, para a conotação da enfermidade quando entra num estado simplesmente poético. Aqui a imagem deixa de ser uma bula dizendo o que pode ou que não pode, para virar-se um quadro de tinta, tecer as cenas onde as entrelinhas do poema se fazem quase como canções.
Para anestesiar a dor e fazê-la sorrir, o autor tece os versos com elementos da natureza como nuvem, chuva, sol, numa linda alusão a estados de ânimo. O próprio labor poético é também usado como hermenêutica para a solidão do espaço enfermo, onde o poema de certa forma cura a tristeza e a melancolia.
Vi ao ler o livro do poeta como se o eleitor dançasse com a própria presteza das palavras: seres musicais, não lentas na condição letárgica de uma desanimação. Para isso Rafael desliza sabedoria e ética numa mórfica dança poética.
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