FERNANDO – Você mexe muito bem com os tempos narrativos, onde o leitor precisa de certa forma encaixar os devires do tempo, uma certa cronologia de uma história que parece ser inteira, só quando for montada pelo leitor, mas ao mesmo tempo é muito caleidoscópica. Como se dá esta estrutura narrativa na hora da criação?
WHISNER – O meu tempo é mais o tempo da consciência e não é linear nem necessariamente tem uma única direção ou um único sentido. Tendo em vista essa ideia, já antiga, os meus textos passeiam pelo tempo, em todas as dimensões. Isso, inicialmente, pode complicar a vida do leitor, mas quando ele se acostuma a essas concavidades, a essas cordas, a essas cápsulas, percebe que nosso pensamento trabalha assim mesmo, com menos regras, menos imposições. Deixo minha mente atuar com o máximo de liberdade que consigo, ainda que esta liberdade esteja atrelada a uma realidade da qual, por outro lado e propositalmente, não quero me separar.
FERNANDO – Há uma semiologia da imagem, que você pulveriza como se fosse repetições de estruturas de enredo- trama, por exemplo a doença se espraia por certos contos. Estas estruturas criam no leitor um efeito dominó ou quebra-cabeça onde os conectivos precisam se juntar para um tipo de mosaico. Fale disso. Minha pergunta é: na vida de uma pessoa na sua estrutura biográfica estes conectivos estarão numa passagem temporal em linha reta? Ou podem estar numa espiral?
WHISNER – Normalmente estão em espiral ou mesmo em formatos aleatórios. Você citou muito bem o termo “espraiar”, como se fosse uma onda acústica, abraçando, colidindo. É isso mesmo, a doença, algum outro fato, não servem necessariamente de causa, mas se envolvem, se conectam, influenciam, toda a trama. E, inclusive, são igualmente consequências de si próprias e mesmo de algo anterior ou posterior, tudo, claro, de maneira consciente, mas também, algumas vezes, inconsciente. Basta imaginar um quebra-cabeças tridimensional, cujas peças permitem mais do que uma configuração ou então o dominó citado, mas com as peças conectadas em diferentes tempos-espaços ou, pior, mesmo sem nenhuma conexão lógica ou tangível.
FERNANDO – Há uma sensação de fatalidade de destino traçado, e um certo traço mental de seu narrador que as coisas poderiam ser diferentes caso a exposição não fosse priorizada. O evento que não é realizado também carrega certas circularidades de possibilidades narrativas. Penso em tipos de fendas onde o futuro se engendra pela capilaridade de atos\escolhas possíveis numa mesma ação. O que você acha em relação aos contos?
WHISNER – Essa sensação de destino traçado se dá justamente por conta da imagem de linearidade do tempo. Se o leitor se desapegar dessa percepção, verá que pode haver retroalimentações de atos, inclusive com passeios (na realidade da imaginação também) pelo tempo. Tudo poderia ter sido feito de outra maneira e, ao concebermos um tempo linear, isso pode nos deixar desesperados. O fato de não termos mais influência no passado (considerando, novamente, uma visão linear do tempo) pode ser definitivo para nossa desesperança. Talvez apenas quando atuamos em todas as dimensões é que temos uma consciência um pouco mais ampla de nossas próprias possibilidades ou, em última análise, das possibilidades da ficção.
FERNANDO- Você, muito de maneira sutil, (re)trabalha a própria noção de gênero literário, onde as formas do narrar estão sempre em movimentos, até de certa forma espacial, na textura da página. Há uma relação entre suas estruturas narrativas de tempo e espaço com um certa não rigidez de classificação\rótulo de suas histórias?
WHISNER – Sim. Meu projeto literário é questionar essas barreiras linguísticas, sobretudo. E tentar ultrapassá-las, o que não é fácil, já que estão muito arraigadas. Nascemos com a certeza de todos os limites. Isso é, inclusive, muito valorizado por nossa sociedade. É um trabalho desgastante o pacto diário com a desobediência. E a palavra é altruísta, aceita inclusive o adestramento.
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